domingo, 7 de setembro de 2014

O paraíso

Nem o paraíso criado por Deus, tampouco Pasárgada seriam o suficiente para realizar seu sonho dantesco, motivo de sua talvez glória e total condenação.
Seus devaneios a amarguravam cada vez que pensava naquele beijo, último toque que provara do amor fugaz que nunca pôde viver. Seu olhar era um mesclado de pureza e malícia, dissimulada e sutil, ao mesmo tempo em que o verde musgo cintilante de seus olhos a denunciava.
Para ela, noite para ser dormida era o mesmo que o sol não nascer. Meramente impossível. O tique-taquear do relógio seguia o compasso de sua respiração, enquanto alguém lá fora conversava com o vento.
Pôs a mão direita no vão ao seu lado, e o vazio do espaço solidarizou-se com o do coração. A cama, cujo lado direito não havia ninguém para preenchê-la a fez estremecer. Certamente nunca haverá ninguém ali, e esse ninguém tinha nome, sobrenome e um endereço por ela desconhecido.
E então, ela o viu. Seu sorriso maroto deliciou-a por inteiro. Não o ouvia, e a não ser que estivesse deilirando, podia jurar que viu seus lábios carnudos formarem as palavras "pequena Mary".
Sua respiração ficou lenta, e os olhos se fecharam lentamente. Se morresse naquela noite partiria feliz por ter a imagem dele fresca na memória.
- oh, senti saudades querido E...
O despertador tocou. A noite se fora, e levou consigo seu "querido E...".
E como todas as manhãs fazia, abriu seus olhos de ressaca, penteou os cabelos e perfumou-se. A esperança de revê-lo nunca a deixou, e quem sabe sua tão sonhada Pasárgada se encontrasse em uma esquina, em um bar qualquer, onde seu querido tomava um delicioso café matinal. Porque o paraíso é onde ela é "amiga do rei, e terá o homem que ela quiser, na cama que ela escolher."

sábado, 6 de setembro de 2014

Na calada da noite

É na madrugada que a distância entre nossas limitações diminui. É na madrugada que soluços e suspiros são abafados pelo travesseiro. É na madrugada que abrimos os olhos e idealizamos um mundo ideal. Ou letal.

Miranda.

O tempo, o sol e o vento.

Faz calor aqui dentro. A ironia é que o tempo lá fora nunca esteve tão frio. Através dos reflexos embaçados da janela, vejo pessoas, e até mesmo coisas tão gélidas como a brisa matinal. Durante algum tempo, também fui assim. Tempestuoso, imprevisível que nem o vento. Que é frio. Carregado. No ritmo de um assobio cansado.
A grande diferença, é que o vento carrega tudo consigo. Mágoas, angústias e até mesmo coisas boas. Eu os detinha, era uma barreira que impedia quaisquer sentimentos seguirem seu caminho. Sobretudo os ruins.
A visão literal sempre fez mais sentido para mim, no entanto, tudo fica mais bonito quando há uma pitada de metáfora na história, dá um gosto agridoce ao sofrimento, o qual, felizmente já não existe mais. Derrubei as barreiras e deixei as coisas seguirem seu curso natural. De vento, fui promovido a sol, e o calor que há em mim derrete todo e qualquer tipo de ressentimento que possa restar aqui.
É confortável estar aquecido, enquanto muitos enfrentam sua pior nevasca interna. Eu, antes tão comum, cabisbaixo e sorrateiro, hoje tenho um diferencial. A felicidade que me consome. Por um tempo, será bom ter toda essa energia só para mim. Não é egoísmo, eu prefiro chamar de amor próprio.
A chuva começou a cair. Pessoas corriam e procuravam abrigo, gotas de chuva apostavam corrida na vidraça da lanchonete. Mais adiante, o mar se escondia por detrás da neblina.
Um garçom rechonchudo, com barba por fazer e olhos de ressaca aproximou-se.
 – Gostaria de alguma bebida para se aquecer, meu jovem? Café é um ótimo companheiro do frio.
Semicerrei os olhos e sorri.
 – O tempo nunca esteve melhor, e não me refiro à chuva lá fora. Um copo de água com gelo, por favor.


De Miranda, para meu querido amigo à distância Alecs.