domingo, 28 de julho de 2013

Partidas e Reencontros

Melanie Jobs, apaixonada por literatura, 30 anos, solteira, muitos sonhos, infinitas frustrações. Este não era o perfil que Mel esperava apresentar no auge de seus quinze anos. Sempre sonhara em ter uma linda família, ser completamente realizada, um amor para a vida toda. Desde sua ida para o convento, jamais conseguiu seguir em frente, havia um fantasma que a impedia de alcançar quaisquer objetivos.  Sua vida era uma monotonia sem fim. Se não fosse pela biblioteca que adquiriu em sua própria casa com o passar do tempo, poderia jurar que morreria de desgosto. Afinal, uma pessoa sem sonhos jamais se torna feliz. A leitura a proporcionava viagens magníficas, histórias para contar, lágrimas, emoções diversas. Amores impossíveis assim como tivera há anos, porém no fim dos livros sempre corria tudo em perfeita harmonia e felicidade, ao contrário de sua história.
A vida de Melanie começou a se modificar assim que completou os 27 anos e decidiu sair do convento, se não era feliz lá tampouco seria naquele momento, em uma completa solidão. Jamais tivera vocação para freira e se não fosse pelos seus pais nunca teria estado lá. Mel dedicou seu tempo livre para ajudar na igreja, cuidando de crianças, fazendo doações e claro, lendo.
E fora assim durante três anos. Até uma tarde chuvosa de verão...
A rua estava escorregadia, e pessoas corriam para se abrigar da chuva inesperada que atingiu a cidade. Mel estava saindo da igreja quando viu um monte de envelopes de cartas envoltos por uma fita vermelha no primeiro banco da igreja. Dirigiu-se até lá e viu o destinatário, a fim de lhe entregar, supostamente esse alguém teria as esquecido lá. A destinatária era Jane Steven, que morava duas ruas depois de sua casa. Embrulhou as cartas com carinho em um saco plástico e no fim da tarde iria as devolver a quem as pertencia por direito.
Aonde quer que fosse Melanie estava sempre bem arrumada e elegante, parecendo uma Lady, e desta forma bateu da porta da senhorita Jane.
-Olá, posso ajudá-la?
-Sim, Sou Melanie e encontrei suas cartas no banco da igreja.
-Pois leve para onde estavam. Não quero ver essas cartas nunca mais na minha vida!
-E o que eu faço com elas?
-Jogue fora, queime, leia o que quiser desde que eu não precise lê-las nunca mais!
-Está bem...
-Desculpe, não quis ser grosseira, mas é que estou muito chateada.
-Eu entendo, desculpe o incômodo! Passar bem.
-Passar bem!

Chegou em casa atordoada, não fazia a mínima ideia do que fazer com papéis abarrotados de palavras. Seria certo ler? Pensou e achou melhor não, deviam ser coisas pessoais e não queria saber da vida de ninguém. Mas, passando o olho através dos envelopes selados viu um nome no lugar do remetente que a fez estremecer: Peter Mathew. Leu duas, três vezes e não havia lido errado. Realmente era Peter. O amor de sua vida.
A história de Melanie e Peter não fora tão diferente dos romances da época. Apaixonaram-se perdidamente na adolescência, seus pais descobriram e a mandaram para um convento. Depois disso, nunca mais ouviu falar de seu amado e fez um juramento para Deus de que jamais se entregaria a homem algum se este não fosse Peter e que sua pureza seria conservada para sempre caso jamais o reencontrasse. Peter não esperaria por ela e como o amor de sua vida fora arrancado de si, arrancou todo seu amor e o enterrou junto com as lembranças a sete chaves. Mas agora, os momentos vinham como um flashback e as cenas passavam-se aleatoriamente em sua cabeça. Peter ganhara vida em seus pensamentos novamente.
Como ele estaria? Será que era algo diretamente desta moça? A curiosidade falou mais alto e em minutos estava em sua mesa com um pequeno abajur aceso, óculos caídos sobre o nariz e os olhos brilhando de emoção. Pegou a última carta, a mais recente e pôs-se a ler:

“Londres, 22 de julho de 1978

Jane, meu amor...
  Perdoe-me por tê-la magoado, não fora minha intenção. Acontece que existem fatos que fazem parte de nós e é impossível apagá-los da memória, eu a amo agora, e isso é o que importa. Há tempos não consegui me entregar de tal forma que me entreguei e me dediquei a ti. Não é justo ignorar-me por motivos tolos, cujos nem sei se valem a pena serem lembrados. Você, jovem linda me ensinou o que é se doar por alguém e além de minha companheira és minha amiga, confidente e lhe agradeço muito por ter me suportado com meus erros e falhas. Nunca fui o ideal para ti e confesso que sei que merece alguém muito melhor do que eu, alguém que dedique todo o tempo para você, que é uma mulher única, amável, doce e acima de tudo atenciosa.
Não lhe implorarei para ficar, quero somente que me perdoe e entenda meus motivos. Sabes tanto quanto eu como é difícil encontrar alguém que nos valorize e quando decidimos ficar juntos era para curar todas as feridas ainda muito ardentes em nossos corações. Creio que jamais encontrarei moça tão bondosa quanto você. Espero que leia esta carta com muito carinho e reafirmo que não insistirei para voltar, sabes onde me encontrar.
Eu a amo, do meu jeito errado, mas é o amor que posso lhe oferecer.

De seu eterno confidente,
                                     Peter Mathew.”


“Então ele ama outra” seu coração acelerou-se assim que pensou nele escrevendo cartas e mais cartas para sua amada. Não queria ler mais, a dor de ter sido obrigada a partir sem sequer dizer adeus a fez sofrer por anos a fio e ainda não havia superado por completo. Ele faz declarações para outra, e seus olhos marejaram-se em perceber que havia realmente o perdido para todo o sempre. Já estava certa de que o amor deles não daria jeito, mas acontece que era mais bonito acreditar que ele sempre a amaria e esperaria por ela quanto tempo demorasse como em romances. Só que as pessoas reais não iriam abrir mão da felicidade por um alguém que nem mesmo está presente em seus dias.
Já era tarde quando decidiu dormir e pela primeira vez em anos chorou por ele. Abraçada com o travesseiro úmido soluçava feito uma adolescente. Era assim que fazia todas as noites no convento quando a saudade dele falava mais alto. Quando estavam juntos, Peter a deu uma almofada bordada a mão por ele mesmo, a escrita estava meio torta e irregular, mas a frase: “Eu te amo” estava nítida e fora a única lembrança que carregou dele. E naquelas noites desejava que ele ouvisse seus apelos e soubesse o quanto ela sentia sua falta.
Mal conseguiu dormir durante a noite, e sempre que olhava na direção da mesa, lá estavam as cartas que continham provas de que seu amor não se lembrava dela mais.
Decidiu então no dia seguinte devolver todas as cartas para Peter Mathew. Provavelmente ele não a reconheceria, e ela não o lembraria, iria somente entregar, dar as costas para ele e ir embora.
Segundo o endereço das cartas, a casa de Peter ficava em uma chácara há uma hora dali. “Tão perto e ao mesmo tempo tão longe” pensou, mas quis o destino que tudo ocorresse do jeito que estava e por sorte ainda não o tinha encontrado pela cidade. Ou azar.
Acordou cedo na manhã seguinte, pediu ao padre que lhe emprestasse seu carro e que voltaria em breve e ele assentiu. Em pouco tempo estava avistando a chácara e uma pequena casa. O tempo estava fechado e as nuvens bem carregadas. Naquela tarde iria chover bastante, mas como o encontro seria breve não a prejudicaria.
A estrada era péssima. Melanie não era uma motorista e os buracos dificultavam ainda mais a passagem.
De longe viu um homem sentado na varanda de sua casa. Se fosse Peter ele havia mudado muito. Parecia muito mais velho do que a idade que aparentava ter e conforme o carro foi se aproximando da casa, sua expressão era o misto de curiosidade e alegria. Ele esboçou um sorriso e acenou. “Ele deve estar achando que é ela” novamente a voz interior de Melanie falou consigo.
O semblante dele agora mudara bruscamente. Ela saiu, com a timidez explícita com o bolo de cartas nas mãos.
-Oi, isso pertence a você. – suas mãos tremiam e assim que se aproximou pôde fitá-lo atentamente. Ele estava forte, com o peitoral bem definido devido ao trabalho braçal, seus cabelos estavam maiores e mais desarrumados e a barba o dava um tom de maduro. Peter era mais velho do que Melanie cinco anos, um dos fatores que contribuíram bastante para o fim do relacionamento.
-Oi, Jane mandou me entregar?
-Na verdade não. – Fez uma pausa, realmente ele não a reconheceu. – Eu encontrei as cartas, mas ela não as quis de volta, então decidi devolver para quem as escreveu.
As primeiras gotas de chuva começaram a cair.
-Ah, obrigada!
-De nada. Estou de partida.
Estava com vontade de chorar e estava prestes a virar as costas, mas então um vento soprou tão forte que desprendeu o coque de seu cabelo que acompanhavam o ritmo do vento.
-Tenho a impressão que a conheço de algum lugar.
Ela somente deu um sorriso tímido.
-Mel, é você?
-Como me reconheceu?
-Impossível não me lembrar desse sorriso. Você ia embora sem me dizer que era você?
-Não tenho mais espaço em sua vida. Adeus Pê.
-Ah, claro, é bem típico de você chegar e em seguida partir, carregada pelo vento. Sem dar explicações.
-Como não? Não leu minha carta?
-Nunca recebi nenhuma carta sua...
-Mas eu mandei, e lá estavam todas as explicações que você precisava saber.
-Que explicações se dão quando se abandona alguém que a amava para ir para outra cidade e casar-se com um rico?
-Rico? Casar? Eu fui para um convento arrastada pelos meus pais.
-Não foi isso que eles me disseram.
A chuva caía forte e eles precisavam gritar para conseguirem se ouvir.
-O que eles disseram?
-Que você havia encontrado um noivo e iria para Manchester se casar com ele.
-Mas...
-Mas nada Melanie, passei minha vida toda sofrendo porque você me trocou por dinheiro, agora nossas vidas seguiram rumos diferentes. Você deve estar feliz com seu marido e ele deve estar a sua espera.
-Não sou casada, acredite em mim!
-Você foi covarde, não me disse nem adeus...
-Ah, acredite no que quiser, eu vou embora porque me recuso a ouvir desaforos sem ao menos ser culpada de nada.
Nem se importou com a chuva, saiu em direção ao carro correndo e entrou nele o mais rápido que pôde. As lágrimas misturavam-se com a chuva. “Vamos carro, ligue” o motor falhava, o carro era velho, mas não estava sem gasolina. Ele havia atolado em um lamaçal. Melanie pisava no acelerador com mais força, toda molhada, aos prantos.
Minutos depois ouviu batidas na janela e abaixou o vidro.
-Venha esse carro não vai sair daí com essa chuva.  
Com um pouco de relutância, Mel saiu do carro e entrou no humilde casebre de Peter. Ele a deu uma calça e blusão velho para se vestir enquanto suas roupas secavam, e a deu uma xícara de café para se esquentar.
-Quanto você sabe de mim? – Perguntou finalmente enquanto ele observava a chuva pela janela da sala.
-O suficiente para saber que você foi a maior decepção da minha vida.
-Hei, houve um mal entendido...
-Não houve nada e eu não quero ouvir, não quero mexer na ferida do passado, ainda dói só de lembrar!
-Pare de achar que é o dono da razão pelo menos uma vez e aprenda a escutar as pessoas? Você não sabe ouvir e ainda não entendo como acreditou nos meus pais. Eles te odiavam, não queriam que ficássemos juntos, era óbvio que armariam algo para nos separar. Tolo foi você de acreditar em uma mentira sem fundamento e mal contada. Os rumores de que uma moça envolveu-se com um homem mais velho do que ela e pobre eram motivos de vergonha para meus pais, e não para mim. Eles fariam de tudo para esconder, inclusive acabar com minha vida.
Ele conteve-se e sentou-se de frente para ela quando viu lágrimas em seus olhos.
- que houve de fato?
-Eles me mandaram para um convento contra minha vontade, disseram-me que você havia concordado com a ideia e passei muito tempo da minha vida lá, a maior parte da minha vida foi voltada para serviços comunitários e coisas da igreja. Saí de lá com 27 anos e fiquei sozinha durante três anos, e nunca arrumei ninguém.
-Eu não sabia.
-Pois é a vida agiu de forma injusta conosco. E não há como voltar atrás.
- Mel, me desculpe por pensar coisas ruins de você durante esse tempo todo.
-Tudo bem, a culpa não foi nossa. Se esforce em conseguir Jane de volta, pelo número de cartas parece que a história de vocês é linda.
-Não posso. Desde que você partiu tentei encontrar pessoas para servirem de “tapa-buracos” nas feridas que você deixou, e não é certo fazer isso. Eu procurava nela reflexos de você, queria que nossa história se repetisse, mas nada acontece da mesma forma, as coisas não fluem da mesma forma que fluíram com alguém um dia e eu a machuquei demais. Fui egoísta e a privei de muitos momentos felizes tentando emoldurá-la tentando fazer com que ela fosse sua cópia. Eu a amo, mas o amor que sinto é uma forma de gratidão, eu a amo como amiga, mas não como amante. Isso me tortura. Eu queria ter o poder de mudar as coisas e é por isso que acordei decidido a pedir uma nova chance a ela e fazer tudo diferente, o amor vem com o tempo. Aí você apareceu... Sinto sua falta. – Ele tocou suas faces, mas ela esquivou-se.
-Passei anos e anos chorando por você, sentindo sua falta. Não irei mentir que ainda o amo e nunca deixei de amar, mas acho que nosso tempo já foi e agora por mais que eu queira não posso tê-lo.
-Tudo bem, respeitarei sua vontade.
Como a chuva não cessou, passaram o resto do dia conversando, recuperando o tempo perdido e recuperavam a intimidade que tinham, era como se tivessem voltado na época em que eram crianças e costumavam ir correndo para a floresta e sentavam-se nos galhos das árvores para passarem horas conversando sem que ninguém os interrompesse. Foi no alto de uma dessas árvores que deram o primeiro beijo. E nessa árvore estavam as iniciais deles dentro de um coração, que Peter havia desenhado com um velho estilete.
Peter acendeu a fogueira e sentaram-se perto dela pare se esquentarem. Nos olhos de cada um além da chama que refletia estava nítido que assim como aquele fogo que queimava o amor deles jamais havia perdido o calor, e a chama continuava acesa em seus corações.
Mel não queria ir embora dali. Ficar aninhada nos braços fortes de Pê era a melhor sensação que já teve, além de sonhar em estar envolvida por esses braços a vida toda.
A chuva já havia parado, a noite caiu e toda a magia do reencontro estaria prestes a acabar assim que Mel partisse.
Ambos queriam ficar juntos a vida toda. Quando um amor é impedido pelo tempo e distância faz com que tudo volte na mesma intensidade que se foi.
Enquanto estavam embalados pelo uivar do vento e as gotas de chuva que pingavam no teto, ele sussurrou em seu ouvido: “Me dê um beijo, a despedida que nunca tivemos...”.
Ela jamais conseguiria dizer não a um pedido desse e o beijou, com todo o ardor e desejo contidos há anos. A medida que sua barba ia roçando em sua pele delicada a vontade de beijá-lo a noite inteira aumentava. E ficaram assim durante o tempo todo, entre os intervalos dos beijos entreolhavam-se, acariciavam-se e sem seguida retomavam ao beijo.
Eles sabiam que haviam nascido para ficar juntos a vida toda, e que aquele momento era esperado por ambos desde a última vez que se viram. Sabiam também, que aquela seria a primeira noite de muitas.
Com o passar dos dias estava cada vez mais impossível esconder esse amor de todos, enfim estavam livres de proibições, e acusações, eram adultos e quando se tem amor nada mais importa.
Casaram-se, um ano após o casamento Melanie já estava com seu filho no colo, o pequeno Henrique.
Agora sim seu perfil é o que ela ansiava:
Melanie Jobs Mathew, apaixonada por literatura, 32 anos, casada, muitos sonhos, infinitas realizações.

   

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Living lovingly

"Quando perguntam-me como imagino minha vida daqui a alguns anos, fecho meus olhos e sinto-me nostálgica por um tempo que nunca vivi. Nesse futuro, vejo você, vejo nós. Em uma casa simples rodeada de um amplo quintal gramado, uma varanda com cadeiras de balanço. Imagino você abrindo a porta me dando um beijo estalado, sorridente com os olhos brilhando. Adoro a cor de seus olhos verdes esmeralda. Não preciso dizer uma palavra. Sentamos na cadeira de balanço, lado a lado, mãos entrelaçadas e um suspiro de realização a observar o lindo pôr do sol, nossos filhos chegando da escola pulando em nossos colos com sorrisos tão cativantes que é impossível não render-se ao encanto daquelas crianças doces e agitadas. O ar fresco e úmido de início de noite trazendo uma brisa aconchegante avisando-nos que as estrelas logo pipocarão no imenso azul que agora tornava-se um breu iluminado. Imagino você contado-me como foi seu dia e claro, haveria inúmeras discordâncias e discussões, só que o bom é que o amor entre nós seria tão grandioso que nos impediria de ficar mais de meia hora sem nos falarmos. Nenhum casal é perfeito e confesso que o grande charme dos relacionamentos estão nas brigas que são seguidas por reconciliações. E assim, a noite que caía era testemunha de nossas provocações e gargalhadas, uma vida simples e perfeita de se levar, com uma fogueira crepitante e canções para dar à nossos dias um toque meio mágico. Uma vida que por enquanto só existe em meus sonhos. Uma vida que ainda hei de vivenciar."

terça-feira, 16 de julho de 2013

Dismal fate

“A atração entre o bem e o mal poderia os tornar unânimes?”
...

Margh estava completamente fora dos padrões considerados normais pela sociedade. Era do tipo de garota que andava cabisbaixa e tropeçava em meio a palavras balbuciadas tão baixas que era quase impossível de serem ouvidas. Enquanto suas irmãs eram loiras e bem afeiçoadas, ela era o oposto. Mirrada, cabelos negros sobre a face, pele pálida tinha uma beleza mística e misteriosa, uma de suas características mais marcantes.
Sentia não pertencer àquele mundo e sua casa não era o tipo de refúgio perfeito. Sua família era completamente idealizada, doce e afetuosa e a diferença com suas irmãs gêmeas Kelly e Ketlyn eram explícitas a qualquer um, mas sua relação com elas era extremamente harmoniosa e mútua. Margh, ou melhor, Margarida, sabia o motivo pelo qual era tão diferente. Era adotada e mesmo assim não deixou de receber carinho e amor dos pais. No entanto ansiava secretamente em conhecer seus verdadeiros pais e encontrar neles semelhanças que nunca encontrou em ninguém. Amava sua família adotiva, entretanto, faltava algo neles que ela não sabia explicar.
Nunca tivera muitos amigos e sempre estava reservada e sozinha aonde quer que fosse. Com seu livro e fones de ouvido entrava em um mundo só seu. Apesar da solidão não se sentia só. Desde os oito anos de idade tinha a leve sensação de estar sendo obvervada, ou melhor, vigiada por alguém. Essa idéia não a causava espanto, mas curiosidade e o mais estranho era que tinha absoluta certeza que essa pessoa não a faria mal nenhum.
Era véspera de seu décimo quinto aniversário. Enquanto inúmeras garotas nessa idade sonhavam em ter festas luxuosas e magníficas ela pediu um livro, para o espanto de seus pais. Mal havia chegado seu aniversário e suas irmãs a encheram de presentes, tais como maquiagens, bolsas, roupas e sapatos. Todos sem utilidades para ela. Apesar de ter sorrido a agradecido gentilmente, assim que deram as costas, pôs tudo o que ganhou em uma caixa que ficava em baixo na cama, onde guardava todas as futilidades que recebia.
Naquela noite chuvosa de agosto, o vento soprava assobiando e cachorros uivavam. Sentiu os pêlos de sua nuca eriçarem ao sentir novamente olhos sobre si. Fechou-os na espera de dormir e evitar o pânico. Entretanto uma respiração quente e arfante a impediu e assim que abriu os olhos estava prestes a gritar quando uma mão gélida a calou antes que pudesse emitir qualquer som.
-Fique calma, não farei nada com você Margh.
-Não o conheço e para desconhecidos me chamo Margarida.
-Margarida é nome de florzinha. – Cuspiu no chão.
-Ora, quem é você afinal? – Sussurrou para não acordar suas irmãs que dormiam docemente no quarto ao lado.
Apesar de a escuridão embaçar a visão, dava para notar a semelhança entre ambos. Seus cabelos também eram negros como a escuridão, era pálido, esguio e o jovem aparentava ter uns dezoito anos. Ele era sua versão masculina.
-Sou Mike Coller, seu irmão mais velho.
-Como assim... – Abaixou o tom de voz para não acordar a casa inteira. – Como assim meu irmão?
-Você sabe que é adotada...
-Sei, mas porque meus pais nunca me procuraram, e porque você apareceu só agora?
-Porque precisamos de você mais do que nunca!
-Onde estão meus pais?
-Mortos.
Seus olhos marejaram-se mesmo sem nunca os terem visto, agora tinha certeza de que jamais conheceria sua mãe.
-Morreram como?
-É uma longa história, antes de lhe contar quero que saiba que está na hora de seguir seu destino.
-Céus, são muitas coisas para assimilar, uma coisa por vez, por favor?
-Está bem: Nós, os Coller, somos a família mais ordinária que existe. Nesta nasceram assaltantes profissionais, estupradores, sequestradores, psicopatas. Somos uma máfia e todos devem seguir pelo rumo do crime. Entretanto, você fora a primeira garota da 5ª geração, dentre todos os primos você fora a única menina e nosso pai, só queria homens. Então nossa mãe fora obrigada a deixar você na porta desta casa assim que nasceu. Só que nossos pais não contavam com a sorte que você um dia se tornará a maior matadora de toda a região. Vovó Dorah é uma cartomante e previu que seu futuro é ser como nós e ordenou que eu a vigiasse até completar os quinze anos para que nada de ruim a acontecesse sem que pudesse devolver a honra à nossa família. Em um assalto na casa do delegado, nossos pais foram mortos pelo seu filho, Adrian Shoustter e é seu dever, infiltrar-se em sua vida, seduzi-lo e matá-lo friamente para devolver a moral dos Coller. Está pronta?
Havia um ponto de interrogação de todo o tamanho bem na sua testa. Olhou para os lados para procurar as câmeras e um apresentador de um reality show com um microfone anunciando que aquela situação cômica não passava de uma pegadinha. Mas não era. O rosto de Mike estava fixo e o cenho erguido. Em seu olhar havia fúria e sede de vingança.
-Não fui feita para o mundo do crime, mal conheço vocês porque mataria alguém para recuperarem sua moral?
-Porque esse mesmo cara matou seus pais e a impediu de conhecê-los...
De fato aquilo era verdade, mas ainda tinha dúvidas, eles a abandonaram e será mesmo que seu verdadeiro eu era com aqueles cujos eram procurados em páginas policiais?
-Antes de responder quero que conheça alguém...
Nesse instante entrou no quarto um pequeno garotinho de cabelos caídos sobre os olhos, magro e baixo, mais ou menos uns 5 anos. Assim como eles tinha a pele pálida e enormes olheiras.
-Este é seu irmão mais novo, Maylon Coller. – Ela forçou um sorriso mas o garoto a ignorou e aninhou-se no irmão.
Margh chegou a pensar se sua família não era um clã de vampiros. Mas, espere... Será mesmo que era sua família?
-Como posso saber que de fato são meus irmãos biológicos?
-Veja esta certidão, seu nome verdadeiro é Marta Coller, e deve estar se perguntando por que todos tem a inicial dos nomes com a letra M não é mesmo?
Para falar a verdade, eram tantas dúvidas que nem tinha reparado neste detalhe.
-Então, - Prosseguiu – M de “Morte”. Hilário não é mesmo?
-Você acha a morte hilária?
-Não, mas é nosso destino ou apodrecer na cadeia, ou morrer da pior forma possível, se formos pegos claro... Existem tios nossos que morreram de velhice, mas nunca levaram um tiro sequer e aquele patife matou nossos pais!
Instintivamente, Margh levantou-se.
-Olhe para mim Mike, mas olhe bem, repare cada detalhe.
-Sim.
-O que vê?
-Minha sósia.
-Não, sou magrela, não aguento levar um soco, como posso ser uma “matadora”?
-Iremos a ensinar tudo que precisa.
-Isso requer tempo, e não sei o que minha família irá pensar se eu abandonar tudo para viver fugindo feito uma delinquente.
-Mesmo que não queria, é seu destino e terá que aceitar, seu sangue é quente e falará mais alto. Ou prefere passar a vida toda sendo uma ninguém que nada faz na vida a não ser esquivar-se deste mundo hipócrita?
Essa frase a fez pensar, Mike tinha razão e sua vida era resumida em solidão.
-Ah, não pense que somos completamente pirados e matamos membros da família, pelo contrário, somos gentis com quem é gentil conosco. Digamos que o crime é nosso “ganha pão” e sentimos um prazer incessante em cometer maldades. Prazer maior você nunca sentirá na vida. O perigo corre pelas nossas veias.
Margh ficou curiosa, queria saber e conhecer cada segredo de sua família, e ficou tentada a aceitar. Mil coisas vieram a sua mente, sempre gostou de livros desse gênero e nunca fora fã de contos de fada e felizes para sempre.
-E o que direi para meus pais enquanto estiver com vocês?
-Eu me apresentarei como seu irmão e pedirei para que permitam-me a levar para passar um tempo para conhecer sua família, e que em um mês voltará. Garanto que não vai querer essa vida novamente.
-Está bem, não vejo a hora de pôr ânimo em minha vida.

Na manhã seguinte, acordou ouvindo seus pais e suas irmãs cantando parabéns, com um bolo e presentes, tudo patético. Odiava fazer aniversário porque não queria ficar mais velha. Mas era obrigada a sorrir e fingir que era de seu agrado. Nesse instante lembrou-se de seu irmão e de como aparentemente era parecida com ele.
Segundos seguintes depois de receber abraços e beijos a campainha tocou. “Tomara que seja Mike”, pensou para se livrar daquela chuva de carinhos. Eca.
-Maninhaaaa – Kelly gritou- Tem gente querendo falar com você!
Ah se ela soubesse o quanto a doía os ouvidos a palavra: ”maninha” jamais a chamaria assim.
Desceu as escadas de blusão e pantufas pretas e esboçou um sorriso assim que viu Mike vestido formalmente como um jovem universitário.
-Bom dia Srs. Buckmann.
-Bom dia – Respondeu seu pai. Deveria o conhecer?
-Não, mas acho que a partir deste momento passará a conhecer melhor, sou Adam Rolistter, irmão de Margh.
Os olhos se voltaram todos para ela e sua mãe o convidou para sentar.
-O que pretendes? – Perguntou.
-Queria pedir a permissão dos senhores para levá-la até minha cidade natal para que Margh conhecesse a família biológica. Veja a certidão para certificar-se que não é golpe. Minha avó está muito doente e queria passar um tempo com sua neta. Demoramos anos para finalmente localizá-la.
-E porque a abandonaram?
-Porque meus pais não tinham condições de criá-la, e minha mãe queria que ela tivesse uma história diferente da dela, que fosse bem cuidada e tivesse uma ótima educação. Mas ela faleceu, estava com pneumonia e meu pai entregou-se ao mundo da bebida, então fui criado pela minha avó.
-Não sei não...
-Querida, temos que zelar pelo bem de Margarida, se ela quer temos que ceder esse pedido.
Mike se aproximou de Margh e a deu um aperto de mão apresentando-se formalmente. Aquela cena estava ficando divertida.
-Então, quer ir comigo Margarida? – Deu uma piscadela.
-Sim!
-Podemos ir também? – Fizeram coro às gêmeas de apenas 12 anos de idade.
-Não queridas, isso é um momento da irmã de vocês.
-Ainda não acho uma boa ideia querido. Mas e a escola?
 -Não se preocupe, a cidade é bem aqui do lado e ela poderá freqüentar a escola normalmente.
Combinaram os detalhes importantes e Margh subiu as escadas quase a ponto de gargalhar. Mal o conhecia e admirava seu irmão pela capacidade de mentir e convencer descaradamente.
Quando estava arrumando as malas pensou o que a faria tomar uma decisão tão repentina. Para dizer a verdade, estava entediada e queria pôr uma pitada de emoção em sua vida.A partir do momento que saísse por aquela porta sua vida haveria de mudar e provavelmente as conseqüências não tardariam a chegar.
Despediu-se de sua família e seguiu seu caminho com Mike.
-Você já fez aulas de teatro?
-Não, mentir é minha melhor artimanha.
-Será qual será minha maior artimanha? Pelo visto parece que cada um nessa família tem um “dom” diferente.
-Bom, sua artimanha é a mais traiçoeira de todas... a sedução.
Ela soltou uma gargalhada e ele continuou sério, olhando para frente. Conteve-se e perguntou:
- Bem que você falou que sua melhor artimanha é a mentira...
-Não estou mentindo, um dia vai me dar razão.

Seguiram maior parte do caminho a pé, e foram até o centro da cidade, lá Mike a mostrou a casa onde Adrian morava e os lugares que ele costumava freqüentar. Felizmente ele estava em uma lanchonete e ele pôde a mostrar quem era sua primeira vítima.
Nem todos os elogios do mundo seriam capazes de descrever tamanha beleza. Ele era alto, robusto, cabelos e pele queimados de sol, olhos verdes que brilhavam mais do que uma esmeralda, os lábios carnudos e vermelhos. Margh ficou um bom tempo imóvel, apenas o admirando e não conseguiu o assimilar com um “criminoso”.
-Hei, não vá se apaixonar ele é sua presa, seu alvo e se apaixonar é coisa de tolos.
-Só estava guardando suas feições para reconhecê-lo bem quando chegar a hora. – Mentiu.
Ele soltou um riso sarcástico... – Acho bom que seja isso!
-Onde você mora? – Disse ainda meio tonta e sem fôlego.
-Em uma mata próxima daqui. Creio que gostará!
-Espero que sim – Disse entre dentes, não gostou da idéia de morar afastada, já se sentia sozinha demais, parecendo ler seus pensamentos ele completou:
-Não se preocupe, lá tem vários primos e o que não falta naquela casa é movimento.
Ela assentiu e fizeram o resto do trajeto em silêncio. Mas os pensamentos de Margh estavam no centro da cidade. Sentiu uma sensação estranha, um calor assim que o viu. Uma chama que por dentro crepitava.
Assim que chegaram, viu um senhor ensinando duas crianças à manusear uma arma. Seu irmãozinho, Maylon estava sozinho, enquanto as crianças riam e gargalhavam soltando tiros para o alto.
-Porque Maylon é tão calado?
-É a natureza dele, ele é observador, será um ótimo chefe de quadrilha. Dificilmente se socializa com alguém, mas fique tranqüila, ele gostou de você.
-Ele te disse que gostou de mim?
-Não, mas permaneceu do nosso lado ontem enquanto conversávamos, se ele não gostasse de você teria se retirado e nos deixado a sós.
Soltou um longo suspiro e logo olhares se voltaram para ela. “Marta chegou” ouviu uma voz aguda de dentro da enorme casa do estilo colonial.
Em poucos minutos estava rodeada de pessoas e vozes cochichavam ao mesmo tempo em que a encaravam de cima em baixo.
Havia cerca de vinte primos e dez tios, suas esposas e maridos além de seus avós.
-Mike?
-Sim?
-Esta é minha família por parte materna ou paterna?
-Dos dois, eles eram primos.
-Oh, entendi.
-Venha para dentro, vovó quer te ver.
Sentada em uma cadeira de balanço na sala lá estava Dorah, ela sorriu e disse:
-Como você é parecida com sua mãe garota!
-Tem alguma fotografia dela que posso ver?
-Sim – Intrometeu-se Mike – Aqui está!
Realmente, havia uma semelhança enorme entre elas. A foto estava meio envelhecida, parecia ter sido tirada no ensino médio, porém os cabelos de Margh eram longos e o de sua mãe curtos e ralos. Fora isso, não havia nada que não parecesse.
-Ela não queria me abandonar, não é?
-Não, mas seu pai a obrigou – Sua avó balbuciou. – Agora vá lá para fora, você tem muito que aprender.
Sorriu e seguiu Mike até a parte dos fundos da casa.
-Bom, irmã, eu a treinarei e a ensinarei tudo o que precisa. Atirar, lutar, entre outras coisas. Ah, vai ter que malhar muito se quiser seduzir alguém, porque com esse monte de ossos nem cachorro iria te querer.
-Não sabia que também era sincero.
-Só nas horas que me convém. Hoje é dia de comemorar, amanhã começa seu duro treinamento. Hoje, iremos beber.
-Não bebo...
-Mas vai passar a beber, não sabe o que está perdendo... Conte-me mais, o que nunca fez?
-Bom, nunca bebi, nunca fumei, nunca beijei e sou virgem.
-Logo irá se soltar.
Mike levantou-se e chamou os primos de sua idade.
-Margh, esses são Rony, Draco e Neville.
-Nossa que prima gata que tenho. – Disse Draco.
Margh nem se deu o trabalho de agradecer.
A noite estava caindo e o céu estava adquirindo um tom avermelhado e em pouco tempo a lua apareceu no céu.
Ficou sentada enquanto eles bebiam e fumavam.
-Tome, é bom!
-Não quero Mike.
-Deixe de ser boba, terá que fazer coisa muito pior do que beber.
-Me dá logo então.
À medida que tomava cada gole de whisky tinha vontade de beber mais e mais. Aos poucos foi se soltando e já estava bem enturmada com o pequeno grupo de jovens. Era quase dez da noite e ela já se sentia integrante do clã, ria e contava piadas, sempre com o copo cheio de bebida na mão.
-Dê um trago – Disse Neville.
Sem pestanejar aceitou e só depois de ver a fumaça saindo de sua boca que perguntou risonha.
- É maconha?
-Sim. Bom não é?
-Sim, muito bom...
-Margh, só tem uma coisa que você ainda não fez hoje – Provocou Mike.
-O quê?
-Que tal ficar com Draco? Ele se mostrou bem interessado em você.
-Draco me lembra drácula – Riu sozinha da piada que fez.
Em um momento de pouca lucidez piscou e ao invés de ver Draco, viu o semblante sedutor de Adrian. Não perdeu tempo, foi em sua direção em meio a tropeços e quando se deu conta estava atracada com ele, em um beijo descompassado e acelerado. Quando porém percebeu que não era Adrian parou, entretanto ela queria mais, queria sentir o prazer que tantos disseram que já sentiram. Então ele a foi conduzindo até o quarto, e em poucos minutos ele estava por cima dela completamente despido. Conforme os movimentos criavam velocidade ela sentia-se imóvel por baixo dele, sem dar um suspiro qualquer. A bebida e a maconha não a ajudaram em nada pois apesar da euforia tinha ciência de que ele era um porco nojento, que além de deixar seu corpo todo babado dormiu por cima dela de tão bêbado.
Acordou na manhã seguinte da mesma forma que fora dormir, Estava nua e com uma baita dor de cabeça. O sol nem tinha clareado e seu irmão invadiu o quarto a chamando para começar o treinamento. Fez piadas sobre o que tinha acontecido noite passada, ela ignorou, não estava com ânimo para provocações.
Às seis da manhã começou com levantamento de peso, depois malhou as panturrilhas, coxa, braços e começou a seguir uma dieta balanceada. Saiu suada e ofegante da garagem e quando estava prestes a se sentar teve que levantar para ir até o campo aprender a atirar. No primeiro dia foi um fracasso para pegar a arma, mas com o passar do dia pegou o jeito e no fim da tarde teve um pouco de aulas de boxe.
Sua rotina se baseou nessas atividades durante os dias que se seguiram. Em duas semanas as mudanças em seu corpo eram notáveis. Também já sabia atirar e estava lutando tão bem quanto seu irmão.
Não houve um só momento que não pensou em Adrian, mas não da forma como se devem pensar. Era um pensamento secreto, proibido encobrido por desejo e libido.
-Está chegando a hora Margh, daqui a uma semana estará pronta para a vingança começar.
-Não vejo a hora.
O tempo que passou com os Coller a influenciou bastante. Já havia passado um mês que estava com eles e não sentia nem um pouco de saudade de casa. Ali era seu lar agora e gostava cada vez mais. Já tinha participado de pequenos furtos e tomou gosto pela coisa. A aventura era ao extremo e era bom sentir-se infligindo regras sem ser pega.
-Só falta uma coisa para sua mudança completa, roupas novas e provocantes para exibir esse corpão e um corte radical nesses cabelos sem vida e caídos.
-Quero cortar igual o da minha mãe tia Lindsey. – Disse à irmã de sua mãe, a mais parecida com ela.
-Ficará linda!
Assim que via seus longos cabelos caindo sentiu que se tornava outra pessoa. Finalmente seu verdadeiro eu estava surgindo e ao se olhar no espelho viu o reflexo de sua mãe.
Sentia que devia explicações à sua família adotiva, mas tinha a sensação de que eles não a entenderiam. Provavelmente estariam loucos à sua procura e então escreveu uma carta avisando que estaria bem e não iria voltar. Essa carta não obteve resposta e foi melhor assim. Cortar vínculos era melhor para que eles não sofressem e nem se decepcionassem.
A noite tão esperada havia chegado, finalmente iria rever o charmoso Adrian, só de pronunciar o nome dele seu corpo estremecia.
Precisava estar impecável para que ele se sentisse atraído por ela. Com os cabelos repicados na altura da nuca, um baton vermelho, um corpete preto que lhe valorizava os seios, calça apertada e um salto número 15 estava linda e não haveria um ser que não se renderia a seus encantos.
Saiu apressada, despedindo-se da família que já se sentia orgulhosa da garota que havia se tornado em tão pouco tempo de convivência.

Se fosse há dois meses atrás, estaria pensando se seria um erro, afinal só tinha quinze anos, mas suas atitudes de lá para cá era de uma mulher. Não ligava, não mais, aquilo não era empecilho em sua vida, só desejava em estar nos braços de Adrian. Quanto a matar, aí já era outra história.
Avistou Adrian distraído em uma noite estrelada pela praça. Aproximou-se e pigarreou.
-Esperando alguém?
-Não – Encarou-a de cima a baixo.
-Posso lhe fazer companhia?
-O que uma moça linda como você faz sozinha em uma sexta à noite? – Olhou descaradamente para seu decote. Margh corou.
-Esperando ser encontrada...
-Acho que conseguiu. Qual é seu nome?
-Marg... Marta, e você, como se chama?
-Adrian. Seu nome é lindo.
-São seus olhos.
-Então, quer dar um passeio?
-Sim!
Os olhos de Margh brilharam, em sua bolsa estava uma arma calibre 38, mas preferiu ganhar a confiança dele primeiro.
Saíram, dançaram, se divertiram e foi uma noite perfeita para ambos. Só faltava uma coisa para a noite se tornar melhor ainda. Quando estavam se despedindo, Margh tinha uma súbita vontade de roubar um beijo, mas conteve-se. Para sua felicidade ele o fez. E foi um beijo quente e avassalador, cheio de vontade. Os lábios salientes de Adrian roçavam pelos pequenos lábios de Margh e o frescor de menta de sua boca a fazia nunca querer afastar-se dele. Sua cintura estava cercada pelos seus braços fortes e firmes. Assim que se soltaram ela ficou com o gostinho de quero mais.
-Posso vê-la novamente amanhã?
-Claro! Em que lugar?
-Que tal em uma fazenda aqui por perto? Lá é tranqüilo e bonito.
-Combinado.

Na tarde seguinte foram para a fazenda e ficaram a tarde toda juntos. Beijos e amassos faziam parte desse dia ensolarado e conforme o calor típico da região aumentava o calor e desejo que ambos sentiam também começava a brotar.
Ele a levou para um lugar mais escuro, no curral vazio que só continha móveis velhos e quebrados e sentou em cima de uma cadeira e ela em seu colo. Ele foi passando suas mãos grandes em seu corpo e a fez carícias que a causava arrepios. As carícias aumentaram, ele foi removendo suas roupas, ela o permitiu beijar cada milímetro de seu corpo. Nunca sentiu uma sensação tão prazerosa como antes, aquilo era bom e não queria parar, e em pouco tempo estavam no chão fazendo amor selvagemente. Fizeram duas, três, muitas vezes até sentirem-se doloridos e exaustos. Tinha certeza de que jamais encontraria parceiro tão bom como Adrian, ele realizava suas maiores fantasias ao mesmo tempo em que saciava seu desejo.
Na semana seguinte continuaram se encontrando, e na outra e na outra  sempre adiando o que precisava fazer, seu irmão já estava impaciente.
Um dia, o inevitável aconteceu. Alguém tinha que morrer e fora com muito pesar que em uma noite em que Adrian e Margh estavam fazendo amor em uma viela escura ouviram passos. Vestiram-se rapidamente e ela sacou a arma. Era hora, ela sentia, parecia ser um aviso e então Draco apareceu ao lado de seu irmão. Ambos armados quando disseram em coro:
-É agora ou nunca, ou mata você, ou matamos nós!
Permaneceu imóvel enquanto Draco foi para cima dele. Não queria que ele morresse. Ele nunca fez nada pra ela e para dizer a verdade, seus pais nem a criaram,porque ela vingaria a morte de desconhecidos? Adrian só os matou por defesa, afinal estavam invadindo sua casa.
Draco estava quase o esfaqueando, resolveu ela mesma pôr um basta naquilo tudo.
Fechou os olhos e apertou o gatilho. Deu um beijo no rosto de Adrian e fugiu, sumindo pela escuridão.
Draco estava morto, caído no chão e Adrian sem entender nada fugiu. Quanto a Mike, não sabia o que fazer, por um lado estava feliz, pois estava mais do que certo que sua irmã agora era uma deles.

Margh saiu sem rumo, sem sequer olhar para trás. Tinha aprendido a se defender e era grata ao seu irmão por isso. Seu destino era viver só e isso a reconfortava. Com certeza voltaria para viver sua nova vida de perigos ao lado do irmão, mas no momento precisava de tempo, solidão e quietude. Enquanto corria ofegante ouviu Mike gritar: Seja bem vinda a família Coller!

domingo, 7 de julho de 2013

The angel of my dreams

“Há toda uma pureza e encantamento quando me refiro a ele. Nunca mais o tocarei, mas ainda sim, quando me sinto só o vejo passando diante de meus olhos como um anjo a flutuar ao som de melodias abrangentes”.

Fora absurdamente estranha a forma que ele apareceu em minha vida e logo se esvaiu sorrateiramente. Ora estava passando do meu lado cercado de guardas, ora seu rosto estava estampado na janela da carruagem com o olhar vidrado na paisagem que corria para trás. Acontece que nem sempre o via com tanta intensidade como passei a ver. Acho que a única explicação em tê-lo notado tão de repente foi que me apaixonei.
Essa paixão fora involuntária, inconseqüente e demorei um pouco até que consegui admiti-la dentro de mim. Não digo que esta fora avassaladora e fervorosa como já senti um dia, esta se adentrou em meu peito de uma forma doce, mansa e passiva, como uma leve brisa a balançar ritmicamente meu coração.
Não surgiu e nem soará tão bela quanto os romances idealizados. O bom é que há uma pitada de realidade, só que ao contrário da realidade padrão não houve sofrimentos. Não de minha parte. Tudo o que se passou entre nós foi tão passageiro como chuvas de verão, o cheiro de terra molhada é tão sensacional e aromático como o cheiro de seu perfume.
Sem mas delongas, nossa história é breve.
As ruas de Londres estavam desertas devido ao frio matinal. Passava das seis da manhã e eu estava atrasada para ir à igreja novamente, faço parte do grupo de cântico e preciso estar lá antes de todos. Sempre me atraso para qualquer compromisso e desci as ruas ladrilhadas com uma pressa surreal. Cheguei ofegante e todos aqueles casacos eram inúteis para mim devido ao calor que senti ao dirigir-me até a pequena igreja cujos sinos badalavam avisando aos fiéis que a missa estava prestes a começar. Calor maior ainda senti por debaixo de meu vestido assim que o avistei. Céus, como era lindo, com a elegância de um lorde e o sorriso de um típico camponês, contagiante, mas simples.  
Sorri e ele maneou com a cabeça em um gesto de retribuição ao meu cumprimento.
Logo tratei de me informar a respeito de quem era o rapaz galante sentado na primeira fileira do lado direito da igreja e me disseram que ele era Lord Augustus III sobrinho do rei da Inglaterra e que estava visitando as igrejas mais belas do reinado a fim de escolher uma para se casar. Toda aquela animação fora tomada por um desapontamento momentâneo, mas quando olhei para sua direção, ele fitava-me os olhos. Imaginei se ele estivesse a me encarar por se deparar com uma camponesa deselegante. Modéstia a parte, não sou uma moça desajeitada. Meu cachos cor de mel caem em meu colo sobre meus trajes humildes porém limpos. O azul de meus olhos esconde muitas histórias e sentimentos que são indecifráveis para quem deseja entender tamanha misticidade de minha parte. Meus lábios doces como o mel e há quem diga que não existe sorriso tão esbranquiçado quanto o meu. Para muitos sou uma beldade rara, para ele entretanto, só mais uma camponesa.
A missa teve início minutos após minha chegada e como era de costume eu fazia meu canto solo no início das cerimônias. Era dia do batizado do terceiro filho do rei e toda a corte estava presente, inclusive o Sr. Augustus.
Nunca senti vergonha ou dificuldade alguma em cantar, era um dom que bastava eu abrir a boca e as melodias saíam sem eu precisar fazer qualquer tipo de esforço. Dessa vez fora diferente, assim que pus os olhos naquele jovem nobre hesitei, minha voz falhou então respirei fundo, fechei os olhos e cantei. Para meu espanto minhas mãos estavam trêmulas e suadas, nunca fiquei assim nem quando cantei no casamento da princesa Isabelle.
Terminada a missa fui uma das últimas a me retirar e entrei na sacristia para pedir a bênção do padre. Entrei e percebi que o Sr. Augustus estava conversando com padre Solano, um velho barrigudo de barba branca. Desculpei-me, mas ele disse para eu ficar, sentei-me e disse que seria breve, segundos após uma beata de cabelos negros entrou aflita pela sacristia solicitando a presença do padre para exorcizar a garota que morava duas ruas a baixo da capela.
Estávamos a sós. Ele pigarreou me senti corar. “Parabéns, sua voz é doce e reconfortante” “Obrigada, serei agraciada de cantar em vosso casamento Sr.?” “ Oh, sinto em lhe informar que não haverá casamento algum, isso são rumores que correm pelas cidades, sou jovem demais para me casar.” “Ah, compreendo, desculpe-me a petulância” “Não há pelo que se desculpar linda moça, o povo espalha boatos sem ter sequer conhecimento”. Assenti e calei-me, estava claro meu nervosismo. Quando virei para trás, ele já tinha se retirado sem ao menos se despedir. Oras, por que ele se despediria de uma moça tão despercebida como eu?
Fui para casa e continuei seguindo meu caminho de todos os dias. Na manhã seguinte fui ao mercado vender verduras, vi uma carruagem passando em minha direção e assim que levantei o olhar reconheci o perfil do belo Lord que esteve comigo na sacristia no dia anterior, tentei ser avistada por ele sem sucesso, para minha infelicidade. Conforme o avançar dos dias o via com mais freqüência, ele não me notava em meio às multidões enquanto meus olhos brilhavam assim que sentia o aroma de seu perfume. Senti-me atordoada e até mesmo intrigada por nunca tê-lo reparado como agora, seria mesmo alguma alucinação? Nunca soube ao certo responder, mas não importava a hora e nem o lugar, ele sempre estava presente e eu era como se fosse um inseto perto de tamanha magnitude.
Em uma tarde ensolarada, fui até o campo recolher frutas o avistei sentado em uma pedra que dava a vista para um lindo bosque. Aproximei-me para me certificar que não era mais uma de minhas alucinações, a esse momento estava ciente que a loucura me dominava e que havia perdido toda a minha sanidade.
Ele virou-se instintivamente para trás e sorriu, como se estivesse me aguardando. “Oi” Seus olhos castanhos se destacavam por causa da luminosidade do Sol. “Olá, Sr. Lord” “Oras, sem reverências, por favor, sou um jovem normal como a senhorita” “Desculpe-me, mas está muito longe de mim” “Então aproxime-se” “Não fora nesse sentido que me referi” “Não vejo empecilhos entre nós” “Empecilhos, sobre o que estás a me dizer?” “Eu sei que me queres tanto quanto eu”. A afeição de meu rosto mudou e não pude conter o sorriso, mal estava acreditando que ele de fato havia pronunciado tais palavras. “Não entendo” “Entende sim, todos os dias a vi, no entanto esquivei-me a fim de essa paixão momentânea diluir-se.” “Não quero que se dilua, anseio que a intensidade aumente” “Não podemos, ou melhor, não posso” “De fato, há de ser casar?” “Não, disse-lhe a verdade aquele dia, só que seria um erro me envolver” “Tudo bem, assim queres, assim será!” Quando dei as costas, ele segurou minhas mãos com uma delicadeza que me fez estremecer.Tocou-me os lábios que juntou-se aos dele. O beijo. Ah o beijo, foi bom e doce, sem ferocidade alguma. Após o longo beijo permaneci de olhos fechados e o vento balançava meus cabelos. Abri os olhos e misteriosamente ele havia desaparecido, mais uma vez.
Dias se seguiram e não o avistava em nenhum canto. Senti-me desapontada por pensar que talvez nada tivesse tamanho significado para ele quanto teve para mim. Como disse, não sofri, apenas sentia-me bem quando lembrava do beijo estonteante e acolhedor que recebi.

Anos após tê-lo visto pela última vez, soube que ele se casaria na cidade. Avistei-o na rua e ele me cumprimentou formalmente,mas seu sorriso revelou que ele se lembrava de mim. Perguntei-me se tudo que vivi não foi um sonho, e se realmente aquilo não passou de uma ilusão, fruto de minha fértil imaginação?

Ele partiu, sem nem olhar para trás em sua carruagem, assim como sempre fez anos atrás.
Um garotinho interrompeu-me os pensamentos e me entregou um bilhete que continha a frase: “Jovem moça dos lábios de mel, no azul de seus olhos vejo o reflexo de meus desejos mais ardentes, porém contidos.” Sorri, mas não entendo o motivo pelo qual ele se esquiva de mim. Talvez arrisque em pensar que houvesse mesmo uma noiva à sua espera, talvez tenha sido mais uma de suas aventuras juvenis.
Continuei a vê-lo todos os dias, exuberante como sempre. Aos domingos ele se sentava na primeira fileira de frente para mim e sorria enquanto eu cantava, o via na rua, no bosque, mas ele sempre sumia misteriosamente.
Até que um dia comentei com Charlotte sobre ele. “ Lord. Augustus, está morando na cidade?” Ela me olhou incrédula “Não sabes? Augustus morreu há anos em uma caçada no bosque.” Oh céus, como não soube?... No fundo eu estava certa, ele não passava de uma lembrança que insistia em rodear minha mente. Talvez, passei minha vida toda revivendo momentos que sequer existiram, mas uma coisa afirmo: Se foi um sonho este fora o mais belo e singelo que já tive.

Mas mesmo após saber de sua morte ele não deixou de aparecer para mim. Continuava me ouvindo cantar, sorria para mim, caminhava ao meu lado. Então entendi o motivo pelo qual não poderíamos ficar juntos. Ele era meu anjo, e cuidava de mim, mesmo que os outros não o pudessem ver. Ele sempre esteve do meu lado e é isso que anjos fazem...