Melanie Jobs, apaixonada por literatura, 30 anos, solteira,
muitos sonhos, infinitas frustrações. Este não era o perfil que Mel esperava
apresentar no auge de seus quinze anos. Sempre sonhara em ter uma linda família,
ser completamente realizada, um amor para a vida toda. Desde sua ida para o convento,
jamais conseguiu seguir em frente, havia um fantasma que a impedia de alcançar
quaisquer objetivos. Sua vida era uma monotonia
sem fim. Se não fosse pela biblioteca que adquiriu em sua própria casa com o
passar do tempo, poderia jurar que morreria de desgosto. Afinal, uma pessoa sem
sonhos jamais se torna feliz. A leitura a proporcionava viagens magníficas, histórias
para contar, lágrimas, emoções diversas. Amores impossíveis assim como tivera há
anos, porém no fim dos livros sempre corria tudo em perfeita harmonia e felicidade,
ao contrário de sua história.
A vida de Melanie começou a se modificar assim que completou
os 27 anos e decidiu sair do convento, se não era feliz lá tampouco seria
naquele momento, em uma completa solidão. Jamais tivera vocação para freira e
se não fosse pelos seus pais nunca teria estado lá. Mel dedicou seu tempo livre
para ajudar na igreja, cuidando de crianças, fazendo doações e claro, lendo.
E fora assim durante três anos. Até uma tarde chuvosa de
verão...
A rua estava escorregadia, e pessoas corriam para se abrigar
da chuva inesperada que atingiu a cidade. Mel estava saindo da igreja quando viu
um monte de envelopes de cartas envoltos por uma fita vermelha no primeiro
banco da igreja. Dirigiu-se até lá e viu o destinatário, a fim de lhe entregar,
supostamente esse alguém teria as esquecido lá. A destinatária era Jane Steven,
que morava duas ruas depois de sua casa. Embrulhou as cartas com carinho em um
saco plástico e no fim da tarde iria as devolver a quem as pertencia por
direito.
Aonde quer que fosse Melanie estava sempre bem arrumada e
elegante, parecendo uma Lady, e desta forma bateu da porta da senhorita Jane.
-Olá, posso ajudá-la?
-Sim, Sou Melanie e encontrei suas cartas no banco da
igreja.
-Pois leve para onde estavam. Não quero ver essas cartas
nunca mais na minha vida!
-E o que eu faço com elas?
-Jogue fora, queime, leia o que quiser desde que eu não
precise lê-las nunca mais!
-Está bem...
-Desculpe, não quis ser grosseira, mas é que estou muito
chateada.
-Eu entendo, desculpe o incômodo! Passar bem.
-Passar bem!
Chegou em casa atordoada, não fazia a mínima ideia do que
fazer com papéis abarrotados de palavras. Seria certo ler? Pensou e achou
melhor não, deviam ser coisas pessoais e não queria saber da vida de ninguém.
Mas, passando o olho através dos envelopes selados viu um nome no lugar do
remetente que a fez estremecer: Peter Mathew. Leu duas, três vezes e não havia
lido errado. Realmente era Peter. O amor de sua vida.
A história de Melanie e Peter não fora tão diferente dos
romances da época. Apaixonaram-se perdidamente na adolescência, seus pais
descobriram e a mandaram para um convento. Depois disso, nunca mais ouviu falar
de seu amado e fez um juramento para Deus de que jamais se entregaria a homem
algum se este não fosse Peter e que sua pureza seria conservada para sempre
caso jamais o reencontrasse. Peter não esperaria por ela e como o amor de sua
vida fora arrancado de si, arrancou todo seu amor e o enterrou junto com as
lembranças a sete chaves. Mas agora, os momentos vinham como um flashback e as
cenas passavam-se aleatoriamente em sua cabeça. Peter ganhara vida em seus
pensamentos novamente.
Como ele estaria? Será que era algo diretamente desta moça?
A curiosidade falou mais alto e em minutos estava em sua mesa com um pequeno abajur
aceso, óculos caídos sobre o nariz e os olhos brilhando de emoção. Pegou a última
carta, a mais recente e pôs-se a ler:
“Londres, 22 de julho
de 1978
Jane, meu amor...
Perdoe-me
por tê-la magoado, não fora minha intenção. Acontece que existem fatos que
fazem parte de nós e é impossível apagá-los da memória, eu a amo agora, e isso é
o que importa. Há tempos não consegui me entregar de tal forma que me entreguei
e me dediquei a ti. Não é justo ignorar-me por motivos tolos, cujos nem sei se
valem a pena serem lembrados. Você, jovem linda me ensinou o que é se doar por
alguém e além de minha companheira és minha amiga, confidente e lhe agradeço
muito por ter me suportado com meus erros e falhas. Nunca fui o ideal para ti e
confesso que sei que merece alguém muito melhor do que eu, alguém que dedique
todo o tempo para você, que é uma mulher única, amável, doce e acima de tudo
atenciosa.
Não lhe implorarei
para ficar, quero somente que me perdoe e entenda meus motivos. Sabes tanto
quanto eu como é difícil encontrar alguém que nos valorize e quando decidimos
ficar juntos era para curar todas as feridas ainda muito ardentes em nossos corações.
Creio que jamais encontrarei moça tão bondosa quanto você. Espero que leia esta
carta com muito carinho e reafirmo que não insistirei para voltar, sabes onde
me encontrar.
Eu a amo, do meu jeito
errado, mas é o amor que posso lhe oferecer.
De seu eterno
confidente,
Peter Mathew.”
“Então ele ama outra” seu coração acelerou-se assim que
pensou nele escrevendo cartas e mais cartas para sua amada. Não queria ler
mais, a dor de ter sido obrigada a partir sem sequer dizer adeus a fez sofrer
por anos a fio e ainda não havia superado por completo. Ele faz declarações
para outra, e seus olhos marejaram-se em perceber que havia realmente o perdido
para todo o sempre. Já estava certa de que o amor deles não daria jeito, mas
acontece que era mais bonito acreditar que ele sempre a amaria e esperaria por
ela quanto tempo demorasse como em romances. Só que as pessoas reais não iriam abrir
mão da felicidade por um alguém que nem mesmo está presente em seus dias.
Já era tarde quando decidiu dormir e pela primeira vez em
anos chorou por ele. Abraçada com o travesseiro úmido soluçava feito uma
adolescente. Era assim que fazia todas as noites no convento quando a saudade
dele falava mais alto. Quando estavam juntos, Peter a deu uma almofada bordada
a mão por ele mesmo, a escrita estava meio torta e irregular, mas a frase: “Eu te
amo” estava nítida e fora a única lembrança que carregou dele. E naquelas
noites desejava que ele ouvisse seus apelos e soubesse o quanto ela sentia sua
falta.
Mal conseguiu dormir durante a noite, e sempre que olhava na
direção da mesa, lá estavam as cartas que continham provas de que seu amor não
se lembrava dela mais.
Decidiu então no dia seguinte devolver todas as cartas para
Peter Mathew. Provavelmente ele não a reconheceria, e ela não o lembraria, iria
somente entregar, dar as costas para ele e ir embora.
Segundo o endereço das cartas, a casa de Peter ficava em uma
chácara há uma hora dali. “Tão perto e ao mesmo tempo tão longe” pensou, mas
quis o destino que tudo ocorresse do jeito que estava e por sorte ainda não o
tinha encontrado pela cidade. Ou azar.
Acordou cedo na manhã seguinte, pediu ao padre que lhe
emprestasse seu carro e que voltaria em breve e ele assentiu. Em pouco tempo
estava avistando a chácara e uma pequena casa. O tempo estava fechado e as nuvens
bem carregadas. Naquela tarde iria chover bastante, mas como o encontro seria
breve não a prejudicaria.
A estrada era péssima. Melanie não era uma motorista e os
buracos dificultavam ainda mais a passagem.
De longe viu um homem sentado na varanda de sua casa. Se
fosse Peter ele havia mudado muito. Parecia muito mais velho do que a idade que
aparentava ter e conforme o carro foi se aproximando da casa, sua expressão era
o misto de curiosidade e alegria. Ele esboçou um sorriso e acenou. “Ele deve
estar achando que é ela” novamente a voz interior de Melanie falou consigo.
O semblante dele agora mudara bruscamente. Ela saiu, com a timidez
explícita com o bolo de cartas nas mãos.
-Oi, isso pertence a você. – suas mãos tremiam e assim que
se aproximou pôde fitá-lo atentamente. Ele estava forte, com o peitoral bem
definido devido ao trabalho braçal, seus cabelos estavam maiores e mais
desarrumados e a barba o dava um tom de maduro. Peter era mais velho do que
Melanie cinco anos, um dos fatores que contribuíram bastante para o fim do
relacionamento.
-Oi, Jane mandou me entregar?
-Na verdade não. – Fez uma pausa, realmente ele não a
reconheceu. – Eu encontrei as cartas, mas ela não as quis de volta, então
decidi devolver para quem as escreveu.
As primeiras gotas de chuva começaram a cair.
-Ah, obrigada!
-De nada. Estou de partida.
Estava com vontade de chorar e estava prestes a virar as
costas, mas então um vento soprou tão forte que desprendeu o coque de seu
cabelo que acompanhavam o ritmo do vento.
-Tenho a impressão que a conheço de algum lugar.
Ela somente deu um sorriso tímido.
-Mel, é você?
-Como me reconheceu?
-Impossível não me lembrar desse sorriso. Você ia embora sem
me dizer que era você?
-Não tenho mais espaço em sua vida. Adeus Pê.
-Ah, claro, é bem típico de você chegar e em seguida partir,
carregada pelo vento. Sem dar explicações.
-Como não? Não leu minha carta?
-Nunca recebi nenhuma carta sua...
-Mas eu mandei, e lá estavam todas as explicações que você
precisava saber.
-Que explicações se dão quando se abandona alguém que a
amava para ir para outra cidade e casar-se com um rico?
-Rico? Casar? Eu fui para um convento arrastada pelos meus
pais.
-Não foi isso que eles me disseram.
A chuva caía forte e eles precisavam gritar para conseguirem
se ouvir.
-O que eles disseram?
-Que você havia encontrado um noivo e iria para Manchester
se casar com ele.
-Mas...
-Mas nada Melanie, passei minha vida toda sofrendo porque
você me trocou por dinheiro, agora nossas vidas seguiram rumos diferentes. Você
deve estar feliz com seu marido e ele deve estar a sua espera.
-Não sou casada, acredite em mim!
-Você foi covarde, não me disse nem adeus...
-Ah, acredite no que quiser, eu vou embora porque me recuso
a ouvir desaforos sem ao menos ser culpada de nada.
Nem se importou com a chuva, saiu em direção ao carro
correndo e entrou nele o mais rápido que pôde. As lágrimas misturavam-se com a
chuva. “Vamos carro, ligue” o motor falhava, o carro era velho, mas não estava
sem gasolina. Ele havia atolado em um lamaçal. Melanie pisava no acelerador com
mais força, toda molhada, aos prantos.
Minutos depois ouviu batidas na janela e abaixou o vidro.
-Venha esse carro não vai sair daí com essa chuva.
Com um pouco de relutância, Mel saiu do carro e entrou no
humilde casebre de Peter. Ele a deu uma calça e blusão velho para se vestir
enquanto suas roupas secavam, e a deu uma xícara de café para se esquentar.
-Quanto você sabe de mim? – Perguntou finalmente enquanto
ele observava a chuva pela janela da sala.
-O suficiente para saber que você foi a maior decepção da
minha vida.
-Hei, houve um mal entendido...
-Não houve nada e eu não quero ouvir, não quero mexer na
ferida do passado, ainda dói só de lembrar!
-Pare de achar que é o dono da razão pelo menos uma vez e
aprenda a escutar as pessoas? Você não sabe ouvir e ainda não entendo como
acreditou nos meus pais. Eles te odiavam, não queriam que ficássemos juntos,
era óbvio que armariam algo para nos separar. Tolo foi você de acreditar em uma
mentira sem fundamento e mal contada. Os rumores de que uma moça envolveu-se
com um homem mais velho do que ela e pobre eram motivos de vergonha para meus
pais, e não para mim. Eles fariam de tudo para esconder, inclusive acabar com
minha vida.
Ele conteve-se e sentou-se de frente para ela quando viu lágrimas
em seus olhos.
- que houve de fato?
-Eles me mandaram para um convento contra minha vontade,
disseram-me que você havia concordado com a ideia e passei muito tempo da minha
vida lá, a maior parte da minha vida foi voltada para serviços comunitários e
coisas da igreja. Saí de lá com 27 anos e fiquei sozinha durante três anos, e
nunca arrumei ninguém.
-Eu não sabia.
-Pois é a vida agiu de forma injusta conosco. E não há como
voltar atrás.
- Mel, me desculpe por pensar coisas ruins de você durante
esse tempo todo.
-Tudo bem, a culpa não foi nossa. Se esforce em conseguir Jane de
volta, pelo número de cartas parece que a história de vocês é linda.
-Não posso. Desde que você partiu tentei encontrar pessoas
para servirem de “tapa-buracos” nas feridas que você deixou, e não é certo
fazer isso. Eu procurava nela reflexos de você, queria que nossa história se repetisse,
mas nada acontece da mesma forma, as coisas não fluem da mesma forma que fluíram
com alguém um dia e eu a machuquei demais. Fui egoísta e a privei de muitos
momentos felizes tentando emoldurá-la tentando fazer com que ela fosse sua cópia.
Eu a amo, mas o amor que sinto é uma forma de gratidão, eu a amo como amiga,
mas não como amante. Isso me tortura. Eu queria ter o poder de mudar as coisas
e é por isso que acordei decidido a pedir uma nova chance a ela e fazer tudo
diferente, o amor vem com o tempo. Aí você apareceu... Sinto sua falta. – Ele tocou
suas faces, mas ela esquivou-se.
-Passei anos e anos chorando por você, sentindo sua falta. Não
irei mentir que ainda o amo e nunca deixei de amar, mas acho que nosso tempo já
foi e agora por mais que eu queira não posso tê-lo.
-Tudo bem, respeitarei sua vontade.
Como a chuva não cessou, passaram o resto do dia
conversando, recuperando o tempo perdido e recuperavam a intimidade que tinham,
era como se tivessem voltado na época em que eram crianças e costumavam ir
correndo para a floresta e sentavam-se nos galhos das árvores para passarem
horas conversando sem que ninguém os interrompesse. Foi no alto de uma dessas árvores
que deram o primeiro beijo. E nessa árvore estavam as iniciais deles dentro de
um coração, que Peter havia desenhado com um velho estilete.
Peter acendeu a fogueira e sentaram-se perto dela pare se
esquentarem. Nos olhos de cada um além da chama que refletia estava nítido que
assim como aquele fogo que queimava o amor deles jamais havia perdido o calor,
e a chama continuava acesa em seus corações.
Mel não queria ir embora dali. Ficar aninhada nos braços
fortes de Pê era a melhor sensação que já teve, além de sonhar em estar
envolvida por esses braços a vida toda.
A chuva já havia parado, a noite caiu e toda a magia do
reencontro estaria prestes a acabar assim que Mel partisse.
Ambos queriam ficar juntos a vida toda. Quando um amor é
impedido pelo tempo e distância faz com que tudo volte na mesma intensidade que
se foi.
Enquanto estavam embalados pelo uivar do vento e as gotas de
chuva que pingavam no teto, ele sussurrou em seu ouvido: “Me dê um beijo, a
despedida que nunca tivemos...”.
Ela jamais conseguiria dizer não a um pedido desse e o
beijou, com todo o ardor e desejo contidos há anos. A medida que sua barba ia
roçando em sua pele delicada a vontade de beijá-lo a noite inteira aumentava. E
ficaram assim durante o tempo todo, entre os intervalos dos beijos
entreolhavam-se, acariciavam-se e sem seguida retomavam ao beijo.
Eles sabiam que haviam nascido para ficar juntos a vida
toda, e que aquele momento era esperado por ambos desde a última vez que se viram.
Sabiam também, que aquela seria a primeira noite de muitas.
Com o passar dos dias estava cada vez mais impossível
esconder esse amor de todos, enfim estavam livres de proibições, e acusações,
eram adultos e quando se tem amor nada mais importa.
Casaram-se, um ano após o casamento Melanie já estava com
seu filho no colo, o pequeno Henrique.
Agora sim seu perfil é o que ela ansiava:
Melanie Jobs Mathew, apaixonada por literatura, 32 anos,
casada, muitos sonhos, infinitas realizações.