“E aí namorada?” Ouvi o eco
de sua voz da cozinha e me encaminhei até a varanda a fim de vê-lo. Ele era
radiante, e seus olhos verdes davam um enorme contraste devido ao sol. Aproximei-me
e o fitei debruçado no portão, ao me ver ele soltou uma gargalhada contagiante
que me fez rir, sem ao menos saber o motivo. Éramos assim, feito idiotas e
apesar de termos uma diferença enorme de idade, agíamos como se tivéssemos a
mesma idade. Ríamos de tudo e por tudo.
Ele era meu irmão mais velho,
meu protetor, não era de sangue, mas cuidava de mim como se fosse sua
caçulinha. Como de costume, ele me colocava em seus ombros e ia passear comigo.
Eu me sentia imbatível lá de cima, naqueles ombros fortes e a brisa em meu
rosto jogando meus cabelos para trás. A tarde sempre era divertida quando estávamos
juntos, a gente tomava sorvete e ele me levou para o campo de futebol, apesar
de ele me deixar fazer gols rolávamos na grama de tanto rir com meu desempenho desengonçado
durante o jogo. Logo após uma tarde divertida, voltamos para casa suados e
rindo quando vimos minha mãe no portão com o peso sobre uma perna com um olhar
impaciente. Ele pigarreou e disse: “Desculpe sairmos sem ter avisado” “Entre
Alana” mal olhou para nós e estava com um ar de desprezo, nem sequer
respondeu-o e entrou batendo a porta com toda a força que pôde. O fato é que
ela não gostava que eu e Antônio conversássemos. Ela carregava consigo aquele
pensamento antigo de que ele me faria mal por ser tão mais velho já que eu não
passava de uma criança.
Mesmo sendo tão jovem e
imatura, tinha a ciência de que conversar com ele era vital para meu bem estar,
afinal, ele me dava todo o carinho que eu não recebia de minha família e eu
buscava nele o consolo. Meu riso nunca foi tão sincero com outra pessoa quanto
era com ele, meus pais nunca entenderiam que o amor e o carinho são essenciais
para qualquer um, e ele sempre foi o único que me proporcionava e me mostrava
tal sentimento.
Fui direto para o chuveiro e
depois de tomar banho vi meus pais em meu quarto. “Precisamos conversar mocinha”
disse meu pai com uma voz rouca e levemente irritada. “Podem falar.” “Eu e sua
mãe decidimos que você não verá mais o Antônio” “Mas por quê?” “Ele pode fazer
uma maldade com você, pois é tão inocente” “Maldade é o que vocês fazem comigo,
como podem querer me afastar de alguém que me faz feliz?” “Sem mais argumentações,
está decidido”.
Não consegui me conter,
chorava incessantemente não era justo perdê-lo, ele nunca teria coragem de
fazer nada contra mim, e por esse motivo não iria abrir mão de meu irmão,
jamais permitiria que nos separasse.
Preferi não dizer nada para
ele, o medo de ele resolver acatar as ordens de meus pais era muito grande. Todas
as tardes, assim que chegava da escola ficava sozinha em casa e decidi ter mais
zelo para que não soubessem que continuava mantendo contato com ele. Antônio
estava de férias do trabalho e me prometeu passar todas as tardes comigo e eu não
iria deixar essa promessa ser quebrada. Éramos vizinhos de parede e a janela de
nossos quartos coincidentemente ficavam de frente para a outra. Fazíamos
caretas e eu ria até a barriga doer. “Namorada, aceita se casar comigo?” Ele
gritou do outro lado da janela. “Só se você tocar violão para mim”. De repente
ele saiu da janela e quando menos esperava lá estava ele na minha sala tocando
violão para mim. Aquela tarde não poderia ser melhor, ele me contou piadas,
comemos brigadeiro e cantamos juntos. Eu era extremamente feliz por tê-lo do
meu lado, era o meu anjo, o melhor amigo que alguém pudesse ter. Eu dormi
solenemente em seu colo e acordei com gritos, ainda atônita reconheci a voz de
meu pai e quando abri os olhos o vi para cima de meu amigo, ambos estavam
exaltados e meu pai ameaçava o denunciar. Dei um grito e seus olhares se
voltaram para mim. “Ele é meu amigo pai, não faça isso” “Ele é um pedófilo,
isso que ele é! Irei te matar” “Senhor, não fiz nada com sua filha, sou somente
um amigo” “amigo uma ova” E deu-lhe um soco que o tonteou. Como era do feitio
de Antônio, não o agrediu, somente saiu com as mãos na face dolorida e se
retirou para sua casa.
Era noite de lua cheia e
todas as noites ficávamos olhando para o céu de nossas janelas até tarde. Essa
noite entretanto fora diferente, sua janela estava fechada e ele não me chamou.
Chorei e não consegui dormir a noite inteira. No dia seguinte, sentei no portão
de casa para vê-lo e ele não passou. No outro dia ele passou por mim, mas não
disse nada, isso doeu muito não queria que as coisas seguissem por esse rumo. O
que antes era hábito se tornou saudade e o que me restava era lembrar dos
momentos divertidos.
Até que um dia, sua janela
estava aberta e ele estava lá, mas não com o sorriso que eu tanto amava e sim
com os lindos olhos verdes marejados, ele chorava e sem pensar duas vezes
estiquei minha mão em sua direção e felizmente ele correspondeu meu ato. Era isso
que fazíamos quando estávamos tristes e não podíamos nos abraçar. Instintivamente
chorei, como se aquela dor também me atingisse, no fundo sabíamos exatamente o
motivo das lágrimas e então ele disse em meio a soluços: “Sinto sua falta
namorada” “Também sinto sua falta irmão”. Saímos e ficamos em frente ao meu
portão. Pulei no seu colo e disse: “Promete nunca mais me abandonar?” “Prometo
minha caçula”.
Sua promessa jamais seria
cumprida...
Na noite seguinte ele iria
viajar e então veio se despedir de mim. Seria diferente se eu soubesse que
aquela seria a última vez? Se eu soubesse que nunca mais veria aqueles lindos
olhos verdes abertos novamente, se eu soubesse que seria o último abraço e a última
vez que ouvi seu riso contagiante? Jamais obteria tais respostas, pois naquela
noite enquanto viajava sua vida fora tomada bruscamente, ele se foi e levou com
ele meu mais sincero sorriso.
Mal pude crer quando soube,
ele jamais voltaria e o que me doeu foi vê-lo mudo e gélido em seu caixão, e o
pior foi presenciar a cena em que seu caixão fora depositado em um buraco
escuro e coberto por terra. Por Deus, minha vontade era me jogar junto com ele.
Meu irmão, meu grandão tinha ido embora e seu sorriso jamais seria visto.
Nos dias que se seguiram,
julguei a Deus por ter tirado de mim alguém que eu tanto amava alguém tão jovem
e cheio de vida. Minhas tardes passaram a ser monótonas e tristes, faltava algo
para me preencher, faltava meu irmão. Mas eu sei que um dia ele irá voltar para
mim, eu sei que mesmo não o vendo ele cuida de mim, lá de cima, por que sei que
seu lugar é no céu.
Sem ele, fui criando uma vida de fachada. Enquanto
todos me achavam feliz por estar sempre com meu sorriso escancarado, por dentro
me sentia vazia, uma amargura por não ter atenção nenhuma de meus pais e por não
ter ninguém para suprir o que eu mais necessitava: Amor.
O tempo fora passando
lentamente e a ferida fora se cicatrizando aos poucos, nunca seria esquecida,
mas eu já havia me conformado com aquela situação. Eu cresci, estava mais
responsável e ainda sim aquele vazio teimava em permanecer comigo. Eu precisava
de alguém para cuidar de mim, havia cansado de passar 5 anos de minha vida de
aparências, de sorrisos que não eram meus, de uma vida que não era perfeita. Então
o conheci, João era cativante e começamos a nos envolver. Com o tempo passei a
sentir algo especial por ele e aquele vazio que sentia estava aos poucos sendo
preenchido. Eu não o amava, jamais o amei, mas era um gostar, e um gostar
especial ele me fazia bem. No entanto, senti um arrependimento ao perceber que
não estava sendo o que ele esperava. Será que seria certo dar um basta naquela
situação? Obviamente sim, mas era difícil ter que tomar tal decisão. Cheguei a
acreditar que com todo aquele tempo de amargura acabei desaprendendo o que era amar.
Quanto mais tempo passava junto com ele, mais sentia nojo de mim, ele não tinha
culpa, pelo contrário, era bondoso e carinhoso, mas não seria justo, ele
merecia alguém que o amasse e se dedicasse totalmente a ele, mas decidi
continuar com ele para tentar amá-lo.
Como em todos os
relacionamentos, brigávamos e ele agia como uma criança. Estava cada vez mais
difícil aturar sozinha um namoro, sendo que eu não o amava. Mais uma fachada em
minha vida.
Nesse meio tempo conheci
Eduardo, que por mera coincidência me lembrava Antônio, seu sorriso, o jeito,
tudo. Pensei ser um devaneio e fiquei meio nostálgica, mas ao mesmo tempo
feliz. Para mim, era um sinal de que meu amigo tinha voltado para mim e
acreditei assiduamente nessa hipótese.
A cada dia que passava e ficávamos cada vez
mais amigos, confidentes e companheiros, qualidades que Antônio também tinha. Apesar
de não me lembrar tanto de nossas conversas, toda vez que conversava com
Eduardo parecia não ser ele, e sim meu irmão conversando comigo e eu me sentia
reconfortada. A vontade de conversar com Eduardo crescia cada vez mais e sentia
que essa amizade estava me fazendo bem. Estava me distanciando de João, não só
fisicamente, mas também sentimentalmente.
Uma tarde, Dudu, como eu
gostava de chamá-lo me convidou para passar o dia no sítio de seu avô. Aceitei
com um pouco de relutância e me senti estranha naquele dia, algo me dizia que
meu sentimento por ele não era só amizade, acho que me apaixonei. Não tinha
certeza, devia ser somente a emoção de ter alguém tão parecido com meu irmão
comigo, me deixei levar.
Chegamos lá e ele
convidativamente me leva até um lago. Sentamos à beira e eu deitei em seu colo,
ele me olhava atentamente e eu corei. No mesmo instante levantei-me
envergonhada. Ele pigarreou: “Quer dançar comigo?” “Mas não tem música!” “E dái?”
Deu de ombros “Venha”. Ele me levantou e nos pusemos a dançar naquele lugar
paradisíaco, por um descuido tropecei e caí no lago. Como não sabia nadar ele
desesperadamente pulou na água sem ao menos pensar e me salvou. Eu estava quase
inconsciente e somente vi seu vulto próximo a minha face. Nossos lábios ficaram
próximos, o que se passava por minha cabeça naquele momento era que estava mais
do que claro que eu estava perdidamente apaixonada por ele.
Contive-me e respirei fundo,
ainda estava namorando e apesar de tudo, não seria justo traí-lo. Para
disfarçar o clima estranho que estava entre nós continuamos a conversar
ignorando por completo o que por pouco não aconteceu.
Fora o susto, o resto da
tarde foi divertida e acalentadora. Rimos, brincamos e voltamos para casa. Ele
me pediu para ir até o ponto de ônibus com ele e decidi ir. Não entendi o
motivo, mas ele ficou em silêncio o trajeto todo, quando seu ônibus chegou o
abrecei e ele entrou, para meu espanto ele virou para trás e pronunciou: “Eu a
amo!”. O ônibus partiu e fiquei paralisada sem entender nada, quando percebi
estava sorrindo.
Em meio aquela declaração não
via mais sentido continuar namorando alguém que não amava. Fui para casa nas
nuvens, peguei o telefone e liguei para João, errei com ele e espero me redimir
fazendo o que fora certo e melhor para ambos. Terminei todo entre nós, já havia
passado da hora de pôr um basta, um ponto final antes que a situação se
transformasse em uma bola de neve.
Depois daquela revelação a
frase “Eu te amo” circundava por minha mente dias e noites e nós no
aproximamos, e pela primeira vez depois de anos sentia o que era realmente
estar com alguém cujo eu poderia retribuir tal sentimento.
Estava indo tudo bem às mil
maravilhas. Em uma linda tarde ensolarada, fui até a praia e me sentei na
areia, contemplando o lindo encontrar da água com o céu, formando um azul sem
fim. Aquela leve brisa era reconfortante e me sentia renovada com o cheiro da
maré. Meu celular vibrou e ao olhar vi uma mensagem de Dudu que dizia novamente
as palavras que faziam meus olhos brilhar: Eu a amo!
As lágrimas se juntaram com
a chuva que começou a cair repentinamente, a felicidade me resumia, era impossível
haver alguma garota na face da terra mais feliz do que eu.
A partir daquele momento me
dediquei e me entreguei ao máximo naquele relacionamento. Ele era um anjo e me
fazia sentir algo que nunca ousei sentir antes. Somente ouvir seu nome fazia
meu coração palpitar acelerado, borboletas rodeavam meu estômago e quando
fechava os olhos o via e revia, o imaginava do meu lado, fazíamos planos juntos
e sonhávamos com o esperado dia em que nos uniríamos para todo o sempre.
No entanto, o destino não
foi gentil comigo. Ele me contou que teria pouco tempo de vida. Assim que
soube, não tive reação, chorava noite e dia, eu já tinha perdido Antônio, perdê-lo
iria me fazer entrar em uma depressão sem fim. Mais conformada com tudo isso
resolvi passar o máximo de tempo com ele e aproveitar cada minuto, mas ele
estava estranho e mais distante de mim. Talvez porque não queria me ver sofrer,
não queria que eu me apegasse a ele para não sofrer mais futuramente. Surpreendi-me
quando ele resolveu acabar com tudo. Fiquei desolada, mal pude acreditar no que
ele me dissera. Mesmo assim, nunca se negou que me amava me deixando ainda mais
confusa, afinal, ele tinha pouco tempo, seria justo passar seus últimos dias
com aquela cuja era dona de seu coração. Ao menos eu pensava assim, não queria
me afastar, tinha uma súbita vontade de cuidá-lo e acalentá-lo, mimá-lo feito
uma criança, mas ele se recusou.
A gota d’água foi quando
soube da notícia que abalou meu coração. Ele está namorando! Por que motivo ele
seria capaz de me deixar, e namorar com uma completa desconhecida, seria tudo
mentira as palavras lindas que ele me disse? Será que tudo fora em vão?
Por mais que eu quisesse,
não conseguia odiá-lo ele era e sempre será o amor de minha vida.
Resolvi seguir em frente,
por mais que ele tenha me feito sofrer, também me proporcionou inúmeros
momentos de alegrias. Meu único desejo era que ele fosse feliz e aproveitasse o
máximo que pudesse sua vida ao lado daquela que julgo sortuda.
Não havia uma única noite
que eu não molhava meu travesseiro de tantas lágrimas, mas a vida não iria
parar, afinal, já estava acostumada com decepções e angústias.
Passaram-se anos sem que eu
tivesse notícias suas. Não soube se ele realmente havia falecido, esperava que
estivesse vivo e feliz.
Estava cursando o último ano
de psicologia, sinto-me realizada e bem novamente, porém nunca mais me envolvi
com ninguém.
Estava atrasada a caminho da
faculdade quando uma senhora baixa de longos vestidos me parou, mas eu
esquivei-me e disse: “com licença, estou atrasada” saí correndo em meio a
multidão e ela gritou: “Espere um segundo Alana!” Como ela sabia meu nome? Virei-me
curiosamente para trás e fui andando lentamente em sua direção. “Desculpe, mas
como a senhora sabe meu nome?” “Não importa, tem um segundo? “Pode falar”. “Entre”,
ela me encaminhou para uma cabana logo ali e me fez sentar em frente a um monte
de cartas e sem mais delongas disse-me: “Ele vai voltar, aguarde!”Senti-me
zonza “Ora, ele quem?” Ela deu um sorriso sarcástico e murmurou “Seu anjo...”
Não consegui formular aquela
notícia em minha cabeça, estava tão distraída que acabei esbarrando em um moço
robusto. “Oh, desculpe-me...” Assim que olhei para trás o vi, era Eduardo e ele
estava bem, muito bem! Ele me convidou para tomar uma bebida e esqueci-me
completamente de meu compromisso.
Cheguei a pensar ser uma
alucinação de minha cabeça e perguntei-me se ele estaria morto e só eu
conseguia o enxergar, mas ele estava vivo em carne e osso e me deu uma explicação
plausível para aquilo tudo. Disse-me que os medicamentos passaram a fazer
efeito e que por um milagre ele se curou. Ambos constrangidos devido ao
reencontro acabamos mexendo na ferida do passado, que ardia fortemente em mim
mais uma vez.
Resolvemos então por um
pedra naquilo tudo e seguir a vida sem mágoas, acabei perguntando se ele havia
se casado e para meu espanto ele disse que assim que soube que estava curado me
procurou, mas eu mudei de cidade e continuou à minha procura e após muitas
tentativas havia se convencido de que jamais me veria novamente. Coincidentemente
e graças aquela cigana nos encontramos. Não pude conter o sorriso e me deixei
envolver pelo seu abraço assumindo de uma vez por todas o que eu vinha tentando
esconder. Sim, eu o amava e o amo até hoje e hei de amá-lo para todo o sempre.
...
-Mamãe, então o anjo que a
cigana disse que iria voltar era o papai?
-Não Antônio! O anjo que ela
alegou que voltaria era um amigo que tive a muitos anos atrás, e ele renasceu
em mim, ele voltou para mim da forma mais pura e singela. Ele tem os olhos
verdes e o sorriso mais lindo que já vi... Assim como os seus, e assim que
peguei meu anjinho no colo soube a vida finalmente havia me recompensado com
duas vidas em uma só.