quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Reencontro.

- Senhora, sua passagem, por favor!
Desculpei-me pela distração e entreguei o papel um pouco amassado. Estava encantada demais olhando pela janela do ônibus minha vida retroceder. Sim, em cada rua que passava via-me uma menina que não sabia o que esperar da vida, vendo o tempo passar. Anos depois retornei ao ponto de partida, tudo tão nostálgico.
Desci no ponto em frente à escola que fiz o ensino fundamental e parei para observar os jovens animados que saíam da escola. À medida que caminhava em direção a casa de meus pais reconhecia alguns rostos, mas ninguém que de fato chamasse minha atenção.

Distraidamente e absorta com as melancolias que me cercavam atravessei a rua e um carro freou em cima de mim. O rapaz, atencioso saiu carro para se certificar que eu estava bem e assim que nossos olhares se cruzaram meu coração parou. A avenida parou. Ele sorriu e suspirou aliviado, coincidentemente eu também. Não porque ele não havia me atropelado e por eu estar bem, nosso alívio foi saber que o destino finalmente estaria cumprindo sua promessa, fez com que a brisa nos arrastasse até aquele lugar mágico, onde tudo começou, onde tudo provavelmente terminaria. Dessa vez, terminaria bem.

Véspera de Natal.

"Aventurar-se por aquela paisagem tão cheia de nada era o mesmo que pôr a cabeça dentro da boca de um leão. A neve caía vagarosamente e não havia resquício algum de vida por ali, eu podia até sentir a morte com seu hálito gélido em minha nuca. Para um sobrevivente de uma guerra devastadora aquela situação era um tanto confortável. Sobrevivente. Somente isso me definia. a coragem me faltou quando vi inúmeros companheiros morrerem bombardeados, fuzilados e nada fiz para ajudar. Na verdade, não podia arriscar uma vida que não era minha, e morrer congelado seria o sossego que meu corpo ansiava. Estava entardecendo e decidi bravamente enfrentar aquele manto gelado para revê-los. Rever... Quem? Ora, os donos de minha pobre vida: Minha esposa e dois filhos, motivo pelo qual protegi-me usando a covardia e a bravura para voltar são e salvo. Era véspera de natal, dois anos desde que parti. Há dois anos um bloco de gelo tomou o lugar de meu coração enquanto ele estava a quilômetros de mim em uma casinha simples e aconchegante no Norte da Rússia. Minhas pálpebras congelavam e já não sentia meus dedos.
Enfim, o entardecer dera lugar ao breu total. Anotei em minha mente que assim que chegasse em casa trataria de comprar uma casinha próxima ao vilarejo, pois, na época em que me casei era apenas um operário na fábrica de automóveis, não pude comprar uma casa com melhor localização. Era feliz, estaria comemorando o primeiro natal na nova casa com Chloe de apenas dois anos enquanto Natham estava a caminho. Lembro-me de Elouise, minha linda e amorosa esposa, a qual sou extremamente apaixonado, radiante com a noite feliz que teríamos. Até que bateram na porta. Com o semblante preocupado ela disse que queriam falar comigo. A guerra não dera trégua para inúmeros homens que foram obrigados a deixar tudo para seguir rumo ao corredor da morte que deixaria poucos sobreviverem para contar história.
Mas, aqui estou eu, e pouco importava o que passou somente o presente era a solução para recuperar o tempo perdido. Finalmente! Há cerca de dez metros estava minha casinha com luzes de natal que irradiavam ao redor e meu coração saltou pela boca. Faltava pouco, animei-me na esperança de que o frio não percebesse meu cansaço.
Assim que cheguei próximo a porta ouvi risadas e aquele som fez todo o frio pegar carona com a brisa que passava por ali. Hesitei em bater, fazia tanto tempo... Fui até a janela bastante embaçada e limpei o vidro com meu casaco.
As crianças estavam saltitantes e animadas em volta da árvore de natal cheia de presentes. Vi a silhueta de Louise, meu coração acelerou. Alguém abraçou-a por trás e beijou-a. Um homem. Se eu estivesse em um deserto poderia acreditar assiduamente que era uma miragem, o homem beijando minha mulher, abraçando meus filhos e todos... Felizes. Não era uma miragem, aquilo estava longe de ser um deserto e então desejei com todas as forças não ter sobrevivido. A dor de cruzar uma nevasca e lutado em tantas batalhas não chegava nem perto da de ser esquecido pela família que tanto amava.
Sorrateiramente dei as costas e voltei de onde jamais deveria ter saído. Era perigoso sair de noite no auge da guerra, mas eu estava perdido, desolado e sem rumo. Se minha família acreditava que eu não pertencia mais àquele mundo, que assim fosse então, ao menos meu espírito regozijaria de paz.
A tempestade de neve estava mais forte e ao longe podia escutar os sinos da catedral anunciando meia noite. No mesmo dia em que parti, Louise olhou calorosamente para mim e disse: Sempre estarei com você, basta pensar em mim que eu o ouvirei. Ah, se não fosse somente uma metáfora, mas, mesmo assim fechei os olhos e minha voz rouca pronunciou: Feliz natal, meu amor!
Um grupo de nazistas se aproximava. Meu fim estava próximo. A grande ironia da vida era que uma arma iniciou o sofrimento de minha vida e só ela poderia acalmar meu coração atormentado.

Assim que me avistaram perceberam pelo meu uniforme que eu estava contra eles e em desfavor também. Zombaram, cuspiram, enquanto me esbofeteavam e enchiam meu estômago de chutes. Um homem robusto me apontou um fuzil, vi minha vida diante de meus olhos, um segundo pareceu um século perto das lembranças que me atordoavam. Tudo ocorreu rápida e bruscamente, contudo as cenas estavam em câmera lenta e todos os movimentos eram captados por meus olhos com perfeição. Antes que ele disparasse sem dó nem piedade (jamais sairia vivo daquela situação) suspirei de alívio, era Natal, o melhor dia do ano e o presente que recebi foi finalmente ir para onde os destroços da guerra não me alcançariam nunca mais."

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Sonhos obscuros.

- CUIDADO!
Um barulho surdo chacoalhou Anne abruptamente, que dormia no banco de trás sem cinto de segurança. Um clarão cegou-a por alguns minutos antes que sua mente desse mil voltas completas. Não era sua mente, tampouco um pesadelo. O carro despencava-se no desfiladeiro e assim que atingiu o solo úmido devido à chuva, uma luz emergiu das trevas juntamente com uma explosão. Fogo.
Antes que Anne ardesse naquelas labaredas do inferno, voou da janela do carro como uma leve folha carregada pelo vento. O azar, uma força oculta macabra permitiu que ela presenciasse a cena mais tenebrosa de sua vida. Se não foi azar, era o destino batendo em sua porta numa noite chuvosa de agosto.
Durante horas a pobre jovem permaneceu aturdida, como se alguém tivesse a hipnotizado. Chorava incessantemente e em seguida desmaiava, sabe-se lá por quanto tempo. Este ciclo se repetia inúmeras vezes até que, na noite seguinte do hospital esse ciclo parou na metade. Um suspiro fez com que os enfermeiros entendessem que somente naquele instante ela estaria de fato dormindo, deixando de lado durante alguns instantes a tragédia da morte de seus pais. O que devia a atordoar ainda mais era saber que eles jamais poderiam ter um velório descente, seus corpos serviram como alimento para aquela brasa fumegante.
...
Pela primeira vez na semana o dia amanheceu ensolarado. Anne levantou-se com dificuldade, tudo lhe doía, principalmente a cabeça. Apoiou-se nos poucos móveis que compunha o hospital e foi até o banheiro lavar o rosto. Não reconheceu a si própria refletida. Estava pálida e com olheiras marcantes, uma aparência envelhecida. Anne era bonita, não muito, mas era simpática. Seus cabelos negros caíam pelos ombros formando leves ondulações, seu rosto docemente branco era marcado por sardinhas ao redor do nariz e nas bochechas. Os olhar arredondado era castanho claro e sua boca incrivelmente pequena. Magra, frágil e de sorriso irradiante. Ainda observando o corte que fizera próximo ao queixo ouviu uma leve batida da porta. Era o Doutor Johnson que trazia consigo alguém muito familiar.
- Senhorita Stevens, seu tio veio lhe buscar, é o familiar mais próximo que poderá cuidar de você. Pode arrumar suas coisas, já recebeu alta.
Anne fez que sim. Assim que ambos saíram sua expressão de medo finalmente pôde escapar. Desde pequena tinha pavor a seu tio, Elliot Stevens, um solteirão calvo e barrigudo que ela poderia jurar que olhava para ela de uma forma diferente. Dentre todos os primos, Anne era a mais paparicada, o tio mandava sentar em seu colo e lhe enchia de doces, dava presentes caros. Era um velho muquirana só para constar. Quando começou a ficar mais velha, evitava cada vez mais ir até a casa do tio, agora, no auge de seus dezesseis anos teria que morar com ele até completar a maioridade. Só poderia ser um pesadelo.
Em meia hora a jovem estava no banco de trás do tio, emudecida. Ele a fitava vez ou outra enquanto dirigia, enquanto ela olhava a vaga paisagem que corria para trás.
O trajeto até sua casa não era muito longo e assim que o carro estacionou em uma mansão afastada reparou que a casa estava mais assustadora e mal cuidada do que antes.
- Querida, sinta-se a vontade em sua nova casa. Se precisar estarei em minha biblioteca.
A moça assentiu. A medida que foi subindo a escadaria para a porta de entrada o ranger das tábuas podres a causou uma onda de arrepios. Depois de se acomodar em seu quarto, Anne se perguntava o motivo pelo qual seu tio nunca havia se casado, geralmente homens ricos atraem pretendentes, mas ele não. Havia um mistério acerca de sua vida que seu pai jamais quisera lhe contar todas as vezes que perguntava a respeito da vida amorosa de seu tio.
Perdida em seus pensamentos ela adormeceu. Acordou com um cheiro delicioso penetrando em suas narinas. Seu estômago roncou. Hora do almoço, pensou. Pôs um vestido florido, delicado e leve e desceu até a sala de jantar. Os pelos de sua nuca eriçaram quando percebeu o olhar fixo de seu tio em suas coxas. Estava prestes a subir e roçar de roupa quando ele pigarreou.
-Sente-se minha querida. O almoço já está na mesa.
- Foi o senhor quem fez?
- Não, a empregada vem aqui para cozinhar e limpar a casa e em seguida vai embora. Ela nunca fica aqui.
O cheiro bom de meio dia era convidativo e em poucos segundos ambos estavam se servindo. O almoço foi silencioso, ouvindo-se somente os talheres que se encostavam ao fundo do prato. Anne estava prestes a levar seu prato para a cozinha quando um braço firme a impediu.
-Deixe em cima da mesa. Não precisa fazer nada aqui, pago a empregada para isso.
Sem questionar, a moça terminou de beber um suco maravilhoso de pêssego e subiu. Passou a tarde lendo e quando deu por si já estava anoitecendo. Suas tardes ali seriam monótonas e completamente vazias longe de tudo que a cercava. Sempre fora um tanto introvertida, seus melhores amigos geralmente eram os personagens das histórias que aventurava-se nas tardes tediosas que provavelmente se repetiriam rotineiramente naquela casa.
Um ruído embaixo da cama a fez saltar.  Abaixou-se sorrateiramente e viu uma borboleta batendo as assas rapidamente tentando livrar-se daquele breu. Delicadamente pegou-a pelas asas e soltou-a na janela, ao menos alguém era livre por ali. Seus olhos voltarem-se então para embaixo da cama, onde tinha visto uma caixa preta e empoeirada. Não deveria ser nada interessante, mas a curiosidade aguçou-lhe naquele instante.
Anne pegou com um pouco de relutância e viu que não se tratava de uma caixa, e sim um álbum de fotos. Começou então a folheá-lo e nas primeiras fotos havia uma mulher linda, sorridente loira dos olhos claros, e nas seguintes quatro crianças ao seu redor, um garotinho que aparentava ter uns oito anos, duas meninas pequenas e uma criança de colo. A partir daí o rosto da mulher estava rabiscado como se alguém tivesse raiva dela. Alguém jogou o álbum de suas mãos, o que a assustou. Seu tio.
- Ao invés de ficar bisbilhotando a vida alheia deveria descer para jantar.
Sem dizer uma palavra ele desceu as escadas balbuciando algo impossível de compreender levando consigo o álbum embaixo do braço. Segundos depois Anne desceu com receio de o tio lhe fazer algo. Jantaram em completo silêncio apenas sob o olhar de relance do tio com uma sobrancelha arqueada. Ele estava incomodado, como se a moça tivesse descoberto algo que ele não gostaria que fosse lembrado.
 - Passarei a noite fora, não saia dessa casa e nem toque no que não é seu.
- Não há pelo que se desculpar princesa. – Acariciou os negros cabelos da moça desde a raiz até o caimento um pouco abaixo dos ombros, mas, não parou aí. Seus dedos deslizaram-se um pouco mais para baixo, até o seio direito. A jovem ficou paralisada de medo. Ele sorriu, pegou a bengala e sumiu escuridão a fora.
Era um velho asqueroso. Seu bigode já grisalho parecia arames farpados e suas mãos enrugadas causava-lhe nojo. Aquele sorriso implantado pensou, que arrepio ele lhe causava. Tinha mais do que certeza de que não era vista somente como uma sobrinha para ele e estava começando a se apavorar naquele local, completamente a sós com ele em um lugar afastado sem ter para quem pedir socorro.
Ainda paralisada, resolveu dormir torcendo para que não tivesse visitas noturnas. Já era grande o suficiente para entender o que pessoas atraídas por outras são capazes de fazer, e por isso trancou a porta.
Era cerca de meia noite e meia quando ouviu uns ruídos, pareciam vozes. O velho, como se referia ao tio não estava ali. A não ser que tivesse armado uma emboscada para a jovem, mas, com quem ele estaria conversando?! Pegou uma barra de ferro que estava perto da janela (como e por que ela estava ali não se sabe.) e desceu as escadas, pé ante pé atenta a qualquer movimento. O barulho vinha da cozinha, mas, quando chegou lá não havia ninguém. Devia estar sonhando, pensou e resolveu beber água. Ouviu um barulho novamente.
- Quem está aí? Eu tenho uma arma e sei muito bem como usá-la.
Viu uma sombra sorrateira saindo da cozinha. Acendeu a luz mais do que depressa, quem quer que fosse não sairia impune. Ficou boquiaberta quando um jovem alto levantou as mãos, em forma de rendimento e virou-se lentamente para ela.  Seus olhos eram de uma azul celeste que nem mesmo a escuridão ofuscaria. Seus cabelos extremamente loiros caído sob a testa o dava uma expressão jovial apesar de seu rosto expressar envelhecimento e cansaço. Suas roupas eram extremamente simples e um pouco rasgadas Algumas partes remendadas por retalhos que não combinavam com a peça original.
- Quem é você e o que faz aqui?
- Eu moro aqui.
- Como mora aqui? O velh... Quero dizer, meu tio disse que não mora mais ninguém aqui. Espere! – Assim que viu o álbum em suas mãos começou a entender tudo. Era o menino da foto. – Onde estão os outros?
- Não há ninguém aqui. Vá dormir.
- Eu vi seu álbum, por favor, me diga o que houve?
Nesse instante, uma tábua se abriu em frente a seus pés e dela saiu uma menina com cabelos desgrenhados, incrivelmente parecida com o irmão, porém mais nova.
- Joseph, temos que contar para alguém, não dá para viver assim.
- Mariah, não se intrometa. E se ela contar que sabe de nós ele acaba com nossas vidas.
- Ela parece ser confiável. Não é?
Anne fez que sim com a cabeça espantada com a audácia que aquela garota. Percebeu então, que o tio era pior do que parecia, um verdadeiro ogro.
Joseph deu um suspiro e conduziu a jovem para uma escadinha embaixo daquelas tábuas de madeira que forravam a cozinha. Ali em baixo havia uma cama de casal prestes a cair e algumas poucas roupas empilhadas do lado. Não havia mais nada. Na cama, uma criança dormia docemente enquanto uma garota (gêmea da que apareceu minutos antes para Anne) mordia um pão velho.
Anne mal podia acreditar no que seus olhos viam. Nem iluminação descente havia ali, somente uma vela acesa. A menina pegou um recorte amarelado de jornal e mostrou a Anne, que com muita dificuldade leu a manchete do jornal com data de cinco anos atrás.
“MULHER É ENCONTRADA ESQUARTEJADA DENTRO DE UMA MALA NAS MARGENS DO RIO EM LONDRES.”
A foto de uma linda mulher sucedia-se a manchete. A mesma mulher que vira na foto. Anne com compaixão pensou então na vida sombria que aquelas crianças tiveram. A mesma vida que estava levando.
- Seu tio fez isso com ela. – começou Joseph. – Quando éramos muito jovens, minha mãe, eu era viúva conheceu esse homem e se apaixonou por ele. Aaron estava a caminho, mas, ele disse não se importar em criar a todos nós como uma família e que quando o bebê nascesse o registraria com seu nome. No princípio, era atencioso com todos nós, nos enchia de presentes e roupas bonitas, cada um de nós tinha um quarto só nosso, mas, quando Aaron nasceu tudo começou a piorar. Seu ciúme era crescente e ele deixou escapar que não queria uma mulher que amasse mais aos filhos do que ele e pediu para que ela nos abandonasse. Indignada, ela se recusou, claro, mas ele dizia que não tinha obrigação de criar filhos que não eram dele. Minha mãe era professora, e todas as manhãs quando saía para trabalhar éramos obrigados a ficar a sós com ele. Como eu era o mais velho, fui o mais prejudicado já que Mariah e Miriam tinham somente três anos na época ele me obrigava a fazer todos os serviços domésticos e parou de nos alimentar. Nossa mãe chegava pela noite e ele nos dizia que iria matá-la se nós contássemos. Vivemos fingindo estar tudo bem durante cinco anos e minha mãe acreditou que ele havia mudado e deixado de lado a obsessão que ele tinha por ela. O único de nós que ele aprecia a gostar era Aaron, e fora este que o entregou quando tinha cinco anos, contando para minha mãe que o viu passando a mão nas partes íntimas Mariah. – O jovem fez uma pausa, era doloroso para todos relembrarem aqueles momentos tenebrosos. – Minha mãe enfureceu-se e decidiu ir embora conosco.  Foi aí que ele a matou e nos jogou aqui, neste cativeiro. Há dez anos viemos para esta casa e nosso pesadelo começou. Quando a polícia veio descobrir o que aconteceu conosco, ele inventou que minha mãe tinha se envolvido com um criminoso e que havia fugido com todos nós. Como ele era rico e de grande influência delegacias londrinas, arquivaram o caso.
Com a voz rouca Mariah prosseguiu:
- Ele nos obriga a fazer todos os serviços domésticos que incluem desde cozinhar até satisfazê-lo. Não aguento mais viver dessa forma, ele me dá ânsia de vômitos e eu e Miriam temos que nos submetermos aos caprichos nojentos daquele velho.
Uma lágrima brilhou em seus olhos e instintivamente Anne a abraçou. Ambas choraram enquanto Miriam, a mais séria observava aquela cena absorta como se tivesse maldizendo-se por ter nascido.
- Anne... Acho melhor você subir antes de ele chegar.
- Eu sinto muito por vocês passarem todo esse sofrimento. O que eu puder fazer para ajudá-los eu farei. Amanhã de noite trarei umas roupas para vocês.
- Não precisamos de sua caridade. Finja que nós não existimos por que essa história não vai dar certo.
- Alguém tem que fazer alguma coisa. Vocês vão esperar ele morrer para sair daqui?
- Ele é velho, não demora muito até bater as botas. Agora vá, ele pode estar chegando.
Sem dizer mais nada Anne dirigiu-se até seu quarto controlando-se para não voltar até lá e dizer umas boas verdades para aquele tal de Joseph. Acabou adormecendo conturbada com a descoberta que fizera sobre o tio.
Na manhã seguinte tentou agir naturalmente, mas era impossível negar que olhar para Elliot a dava ânsia de vômito todas as vezes que seus olhares se cruzavam. Quanto mais tempo passava na presença do tio mais sentir o pavor penetrar em seu corpo e gelar sua espinha.
Durante uma semana não viu nem sombra dos jovens que conhecera naquela noite. Era bom evitar para que não houvesse desconfianças pela parte de seu tio, mas, assumiu par si secretamente que estava com vontade de ver Joseph. Ele era um rapaz desafiador e pôde perceber o olhar que ele a lançou quando a viu de camisola na cozinha. Cogitou então, que ele nunca dera um beijo, talvez ela fosse a primeira garota que ele vira. Segredou em seu diário antes de ir para a escola: “Seu olhar atingiu-me como um raio, iluminando toda a escuridão que nos cercava. Um verdadeiro fenômeno da natureza. Uma pena aquele brilho intenso irradiar-se apenas em um porão que beirava a podridão”.
Assim que voltou percebeu que o tio não se encontrava em casa e em cima da mesa de jantar leu um bilhete com uma caligrafia torta escrita pelo próprio informando que precisou ir a Londres resolver uns assuntos e chegaria tarde em casa. Anne suspirou de alívio, quanto mais longe ele estivesse melhor. Sem ter o que fazer decidiu ir à biblioteca escolher um livro bom para passar a tarde. Era enorme. As prateleiras abarrotadas de livros variavam desde suspense a romance fazendo os olhos de Anne brilhar. Enquanto dedilhava os livros como se fossem cordas de um violão seu olhar deparou-se com um vão entre os livros e do outro lado da prateleira alguém com sorriso misterioso a fitava. Joseph.
- Como sabia que eu estava aqui?
- Vi você entrando e a segui, sei que o velho não está em casa e... Faz tempo que não a vejo.
- Estava pensando a mesma coisa. Como estão as crianças?
- Na medida do possível, bem. Ah, Aaron está querendo conhecê-la. Mais tarde, se quiser, poderia ir até o porão. Mas, veja, - Mudou completamente o rumo do assunto tirando um livro da prateleira á sua frente. – Deixe-me ler o que está escrito: “Seu olhar atingiu-me como um raio, iluminando toda a escuridão que nos cercava. Um verdadeiro fenômeno da natureza. Uma pena aquele brilho intenso irradiar-se apenas em um porão que beirava a podridão”.
Anne corou na mesma hora em que ele a lançou um olhar desafiador, podia sentir suas faces queimarem. Ele havia lido o que ela escreveu no diário. A vergonha logo foi se esgotando quando Joseph sorriu gentilmente para ela e sussurrou com uma voz rouca perto de seus ouvidos:
- Depois da tempestade surge o arco-íris, e com certeza, este ofuscou todo meu brilho com sua doçura. Acho melhor você vir comigo, alguém está impaciente querendo conhecê-la.
Anne realmente gostou de Joseph, ele era misterioso e também imprevisível. Tinha uma capacidade de conduzir as palavras com uma facilidade incrível. Ela sorriu e ambos encaminharam-se para o porão.
- Aaron, você tem visita!
O garotinho, o mais bonito dos irmãos, tinha dez anos era alegre, tinha as bochechas rosadas e um olhar meio perdido. Assim que a viu, pulou em seus braços como se fossem grandes amigos.
- Meus irmãos falaram que vai ajudar a gente sair daqui. Obrigada, e meu irmão tinha razão, você é linda!
Joseph lançou um olhar de repreensão enquanto o garoto fez uma pausa para respirar. Anne estava se divertindo secretamente e cogitou na hipótese de que talvez o rapaz estivesse interessado nela.
Anne passou o resto da tarde no jardim de trás com Aaron enquanto as meninas divertiam-se lendo revistas de famosos. Nem imaginava que eles sabiam ler, mas Joseph contou que sua mãe o ensinou e ele se encarregou de alfabetizar as crianças. Afinal, ler e escrever são o único refúgio que eles teriam.
Por falar em Joseph, Anne estava cada vez mais encantada com a forma que ele a olhava enquanto observava Aaron se divertindo com sua companhia. O mínimo que poderia fazer era dar um pouco de alegria aquele garotinho.
Quando começou a escurecer todos foram para a sala de jantar e, pela primeira vez todos jantaram na mesa de jantar. As meninas e Aaron desceram para descansar enquanto Anne e Joseph se encarregaram de lavar a louça. Vez ou outra os olhares cruzavam-se, mas, havia um silêncio inquietante entre os dois, Joseph sentia uma necessidade enorme de falar algo, mas Anne estava completamente a vontade com a situação, o silêncio era seu melhor amigo. Jamais fora adepta a romances, mas sentia certo desembaraço perto dele. Talvez, a beleza dele a atraiu o que juntamente com a tristeza tivesse despertado um sentimento de carência. Não somente nela, acreditava que ele pensava o mesmo.
Quando terminaram de lavar a louça, Joseph se aproximou de Anne para em seguida voltar a seu cativeiro. Inexplicavelmente, uma onda de desejo e calor a atingiu. Ela o beijou com todo o fervor. Joseph se deixou envolver por aquilo que amais havia experimentado, afinal, Anne era a primeira garota com quem ele teve contato, excerto suas irmãs.
O beijo terminou sem muitas delongas. Um sorriso brotou dos lábios de Joseph que em segundos desapareceu baixo dos pés de Anne. Naturalmente a moça subiu, tomou um demorado banho e foi se deitar, pegando no sono rapidamente. Naquela noite teve pesadelos terríveis com o velho e podre tio.  
...
O ranger da porta fez com que Joseph ainda sonolento fantasiasse Anne de camisola entrando em seu recinto para dormir ao seu lado. Não era. Viu a silhueta masculina e deduziu que o velho iria escolher uma de suas irmãs (ou as duas como costumava fazer) para realizar mais um ‘trabalhinho extra’. Aquele velho o enojava e não sabia até quando passaria por isso. Por pouco tempo, pensou, e de fato, ele estava certo. Por pouco tempo...
Estava chovendo. Joseph acordou amarrado em um tronco nos fundos da mansão. Era quase meia noite e não sabia como foi parar ali. Lembrou-se somente de tudo ter ficado escuro enquanto estava deitado e algo atingiu brutalmente sua cabeça. O velho.
Monstruosamente aquele ser nojento saiu de seu esconderijo e foi se encaminhando em direção a Joseph. Mais perto, mais perto até que a ponta afiada de uma lâmina gelada paralisou-o por um instante. Sua boca estava amordaçada e era impossível o jovem emitir qualquer som.
- Fique calmo seu conquistador barato, não farei estragos em seu belo corpo. Você ainda me será útil.
Sem dó nem piedade Elliot agiu de forma rápida com as lâminas, arrancou os olhos azuis do jovem que gritava de dor enquanto o sangue jorrava como lágrimas de desespero. O velho jogou-os a um cachorro magro que rondava por ali. A sessão de tortura só piorou quando Elliot pegou um alicate velho e tirou um por um todos os dentes do jovem enquanto este se contorcia de dor. Guardou-os em um pote como amostra de seu triunfo e em seguida deu-lhe um tiro certeiro no coração. Jamais aqueles olhos e sorriso luminoso tomariam o que era seu novamente.
...
Era cerca de uma da manhã quando Anne acordou aturdida devido a mais um pesadelo tenebroso que tivera. Uma luz vinha de debaixo das cobertas e Anne viu que não estava só. Pensando ser uma travessura de Joseph abaixou as cobertas e um grito de pavor percorreu todo o seu corpo e ecoou pelo quarto escuro. As mãos duras e geladas de Joseph seguravam uma lanterna com luz voltada para seu rosto, mostrando o estrago feito. Era uma cena digna de um filme de terror seus olhos arrancados e duas pontas de arame colocadas em cada canto da boca esticando-a deixando  a mostra a gengiva completamente banguela do rapaz.
Tremendo e com falta de ar Anne chorava desesperadamente. Antes que pudesse raciocinar uma risada maléfica surgiu atrás de si. Eliot observou a cena de camarote com a mesma lâmina que o matou brilhando no breu. Sentado em uma cadeira, traiçoeiro e frio observou a moça contorcendo-se em vão. Seus pés estavam amarrados aos pés da cama. Não havia escapatória, pensou.
- Olá minha cara sobrinha... Achou que deixaria esse moleque sair impune por ter me roubado? Oh sim, você é propriedade minha e eu já deveria ter dado fim a ele e a corja de bastardos a muito tempo. Eu tive todo o trabalho de sabotar o carro de seus pais, para que o tio gentil aqui ficasse com sua guarda para fazer de você meu brinquedinho. Sim, eu a amava até você me trair. Não sou mau, estava esperando o momento certo para fazer tudo. Um completo tolo eu fui. Quis dar tempo ao tempo para que não a assustasse, para que nossa primeira vez fosse especial para você meu amor. Quis que você primeiro se adaptasse a essa vida antes de fazer o primeiro contanto. O que tive em troca? Traição, eu cheguei no momento exato em que vocês se beijavam e não suporto ser traído. Não mesmo. Meus olhos encheram-se de sangue e quando eu quero sei ser perverso. – ele estava como um louco e foi se aproximando cada vez mais de Anne que chorava compulsivamente. Aquele louco havia matado seus pais de propósito para ficar com ela.
- E seu eu tivesse morrido naquele acidente também seu velho louco?
- Silêncio. Não quero interrupções. Mas, respondendo a sua pergunta, eu não contava com o azar de você estar naquele carro foi um risco que preferi correr, o destino nos uniu.
Anne cuspiu em seu rosto e ele esbofeteou-a.
- Iremos fazer amor ao lado do seu defunto amante só para você não se esquecer quem manda aqui. – ele a beijou e segurou as mãos de Anne que mexiam-se freneticamente em forma de protesto. Um beijo babado e nojento. Eca. Por pouco Anne não vomitou as tripas naquele instante. Seu pior terror estava começando a aparentemente não terminaria ali. Ele começou a abaixar sua camisola deixando a mostra os pequenos seios da garota. Ela gritava e novamente foi esbofeteada. Com as mãos enrugadas ele começou a desliza-las pelo corpo delicado de Anne. A menina pedia socorro em vão. Ninguém a socorreria naquele momento, mas, os feixes de esperança começaram a brotar quando viu Aaron com um taco de beisebol nas mãos fazendo sinal para que ela ficasse quieta. De repente um golpe certeiro estonteou o velho que cambaleava feito um bêbado. Mais uma tacada do jovem fez com que ele perdesse os sentidos por alguns momentos enquanto via o pequeno bastardo pegar a lâmina e cortar as cordas que prendiam os pés de Anne.
- Vá embora, daqui a pouco ele recobra os sentidos.
-Mas e vocês? Ele matará a todos.
-Vai logo, sabemos nos cuidar.
Rapidamente Anne correu, não sabia para onde ir e nem quanto conseguiria correr, mas a intenção era sumir daquela casa dos infernos.
Elliot empurrou o garoto abruptamente sem dar muita importância soltou um “cuido de você depois garoto” e partiu em disparada atrás de Anne que já tinha saído da casa. Não se sabe da onde o velho tirou energia e fôlego, mas em poucos minutos estava perto do bosque e dava para ver sua presa não muito longe. Assim que o olhar de Anne reconheceu a silhueta de seu perseguidor apressou os passos, apesar de seus pés descalços e a folhagem seca das árvores fosse um grande obstáculo. De súbito, olhou para trás para ver o motivo pelo qual o velho havia parado. Cansaço, só podia ser. Assim que seu olhar voltou-se para frente não conseguiu parar e ouviu murmúrio longínquo do velho.
- CUIDADO!
Anne caiu desfiladeiro a baixo. Enquanto a gravidade fazia o possível para empurrar seu corpo para baixo repensou sua vida. Estava novamente descendo barranco a baixo e com certeza a vida não lhe daria uma nova chance para viver como anteriormente. Seu corpo foi se aproximando de um rochedo pontiagudo e o último grito de pavor saiu de sua boca.
...
O bipe do hospital fez coro com o grito assustador que a jovem deu. Estava suada e ao seu lado um médico perguntava insistentemente se ela estava bem. Era o mesmo quarto do mesmo hospital que estava quando sofreu o primeiro acidente. Se é que de fato a aventura que acabara de viver fora real. Olhou seu corpo e estava muito machucada, como se tivesse caído sobre um rochedo pontiagudo... Mas, não! Não tinha chances de sobreviver.
Ainda arfante Anne pousou a cabeça no travesseiro com um alívio momentâneo.
- Onde está Elliot Stevens, meu tio?
- Desculpe, mas não temos notícias dele desde seu acidente. A senhorita passará mais uma semana no hospital para se recuperar da queda. Sua tia está aqui e mais tarde conversaremos a respeito de sua guarda.
A mente de Anne estava confusa. Queria que tivesse sido somente um pesadelo, mas, jamais saberia se aquilo de fato aconteceu. Poderia perguntar ao médico o que aconteceu com ela, no entanto preferiu a dúvida, seria doloroso demais saber que aquele pesadelo foi real.

O Sol penetrava a janela semiaberta do pequeno quarto. Apesar de tudo a moça sorriu. Se de fato aquilo tivesse acontecido não importaria mais. A vida tinha lhe deixado uma dúvida para que a partir dali sua segunda chance passasse a valer de uma vez por todas.  

domingo, 8 de dezembro de 2013

Por essas estradas...

Caetano

 Quem é aquela bela cigana, bailando alegremente sob o luar? As noites de Siena não foram as mesmas desde que ela chegou. Há uma semana, desde que veio para a cidade, venho observando de longe tamanha beleza. Vou até a praça todas as tardes, desde sua chegada para contemplá-la dançando com seus negros cabelos enrolados ao vento. Conforme o ritmo da música, suas jóias e sua longa saia movimentam-se em uma cena perfeita para meus olhos. A cor de sua pele é queimada de Sol, e parece que seu corpo fora desenhado por anjos. Acho que estou apaixonado...



Carmencita

Desde que cheguei a Siena, vi um jovem esbelto me olhando fixamente. Ele é bonito, nunca vi olhos tão verdes quanto aqueles que brilham com mais intensidade quando me vê dançar. Sua pele é branca feito algodão e seus lábios carnudos e vermelhos devem ser ainda mais charmosos quando pronuncia qualquer palavra com seu sotaque arrebatador. Assim que nossos olhos se encontraram, dei um sorriso que tenho certeza de que é capaz de abalar qualquer coração solitário.



Caetano

Perdi os sentidos quando vi seu sorriso, tão encantador e ao mesmo tempo cheio de mistério. Foi aí que um garoto esbarrou em mim interrompendo meu transe. Preciso falar com ela hoje a noite, antes que... Ela se vá! Garotas ciganas são pássaros livres que sempre querem se aventurar e conhecer horizontes mais bonitos.



Carmencita

“Que belo rapaz tanto te olha Carmen” Disse Esmeralda “Belo e rico pelo visto, aposto que a encheria de jóias e dinheiro se pedisse” Aghata completou. Bonito, atraente, rico... Arriscar não faria mal, não é mesmo? “Meninas, querem apostar que consigo tudo o que quiser do cara de olhos verdes?” “Tudo, tipo o que?” “Aquele relógio, me parece bem caro e deve valer uma fortuna”. “Apostado, nós daremos dez moedas para você se conseguir ficar com o relógio”. “Fechado, esta noite irei consegui-lo”.
“Cuidado minha menina, nunca brinques com um coração de um homem, se não sabes nem o que se passas no seu, como usar o de outro como se fosse um fantoche?” Disse Glória, a senhora cartomante mais famosa de todos os outros presentes. Ignorei o comentário, a noite estava próxima e posso conseguir enfim ter a riqueza que anseio. Apesar de jovem sei que um coração que anda por caminhos diferentes nunca estaciona de vez, sempre segue em frente sem olhar para trás.



Caetano

Creio que tenho chances com a bela jovem, ela percebeu minha presença e não parou de cochichar perto das amigas olhando para mim. Hum, bom sinal. Se a coragem me permitir irei declarar para a linda moça o quanto estou encantado, mesmo que ela vá embora, irá sabendo que meu coração estará em sua bagagem.



Carmencita

A apresentação de dança está prestes a começar, mas... Não o vejo. Será que não vem? Não me importa, espere, é ele! Chegou bem a tempo de me ver dançar. Não entendo o motivo pelo qual estou ansiosa para estar nos braços dele. É um jovem atraente e se eu pudesse ficar... Quem sabe não arriscaria em ter algo com ele. Mas, apaixonar-se é tolice, e não sou dessas tolas.
A música começa e todos os movimentos que faço meus olhos estão voltados para ele, confesso que estou inteiramente atraída e parece que em seus lábios vermelhos há um tipo de imã que me faz querer estar mais perto, mais e mais... Mal percebi que no final da dança estava de frente para ele, e só quando ousaram a aplaudir me dei conta de que fui enfeitiçada por seus olhos penetrantes que chamuscavam de desejo.




Caetano

Apesar de chegar atrasado, consegui ver o maior espetáculo da noite. E desta vez fora diferente, ela me olhava com uma chama nos olhos, típico de ciganas. Sedutora, com um olhar de curiosidade se aproximou de mim e por um momento pensei que iria me beijar. Mas, ela saiu correndo e só quando estava em certa distância em meio a aplausos, virou-se e me deu uma piscadela. Senti uma química muito forte entre nós dois, algo que não sei explicar. Eu a desejo e agora sei que sou correspondido...




Carmencita

Não posso perder o foco, só preciso fazer mais um pouco de charme e logo ele estará na minha. Será tão mais fácil conseguir o relógio já que irei partir no dia seguinte. Quando sentir falta de algo em seus pulsos, estarei longe daqui, e rica o suficiente para não depender de migalhas de ninguém. É deprimente viver a mercê de esmolas dos outros, sou bela e jovem e não nasci para viver de migalhas. Não é grande coisa, mas seria o suficiente para eu comprar mais jóias.




Caetano

Preciso me aproximar dela, mas como? Ah, escreverei um bilhete e se por sorte ela se interessar, poderei enfim olhar de perto aquele sorriso estonteante. Vamos lá Caetano, como começar? “Encontre-me no jardim às 22h, Ass: Caetano” Não, muito inconveniente, que tal uma coisa mais romântica? Já sei...

“Sua beleza me encanta. Se quiser saber quem sou, estarei no jardim às 22h
    Ps: Vou encontrá-la com facilidade, afinal seria impossível não reconhecer a rosa mais bonita de toda a Itália.                                                        

 Para: Bella ragazza.”

Pedi a um garoto que levasse até ela, e agora, seja o que Deus quiser!




Carmencita

Nem terminei de formular meus pensamentos e senti alguém puxando minha saia. Um garoto me entregou um papel e saiu correndo. Assim que terminei de ler, o sorriso fora inevitável. Nunca ninguém me mandou algo tão bonito... Nem me dei o trabalho de perguntar ao garoto quem havia mandado o bilhete, só podia ser ele.



Caetano


22h05 e nada. Acho que ela não vem. Nunca terei a oportunidade de ouvir sua voz que deve ser tão suave quanto seu cheiro. Mas, meus olhos brilharam quando a vi correndo em direção ao jardim. Acenei e ela veio em minha direção.



Carmencita
Por incrível que pareça, assim que parei eu sua frente, todas as palavras sumiram e não consegui pronunciar uma palavra. Seu cheiro agridoce me fez suspirar e por um momento pensei em recuar, ele gosta de mim e não merece ter um relógio e um coração roubado. Outros caras mereceriam, afinal, homens que convivi são cafajestes demais e merecem ter tudo o que há de mais precioso roubado. Mas, ele é diferente, não sei explicar.



Caetano

Por um minuto queria saber tudo o que se passa em sua cabeça enquanto me fita fixamente. “Oi” disse timidamente. “Olá” ela sorriu, uau e que sorriso...
“Quero lhe confessar uma coisa” “Diga-me” “seria petulância de minha parte lhe dizer que seus lábios parecem favos de mel, que eu não me importaria nem um pouco de provar?”.



Carmencita

“Sabe, mulheres como eu levam um pouco de cada lugar que passa, e isso não é uma metáfora”. “ Com certeza você levará a mim, seria injusto me deixar aqui, restando-me somente o vazio. Deixe um pouco de si para que meus lábios sempre tenham motivo para sorrir?”
Não resisti, beijei-o, mas de uma forma pura, sem intenções. Não existe ganância que valha mais do saber o quanto somos importantes para alguém.



Caetano

Se eu pudesse, permaneceria com meus braços envoltos em sua cintura para sempre. Assim que nossos lábios se separaram percebi que ela ia embora sem ao menos dizer o nome. “Como você se chama?” “Todos me chamam de Carmem, e você?” “Sou Caetano” “Desculpe, mas eu tenho que ir... eu queria ficar, mas não seria certo”. “Espere, quero te dar uma coisa!” “O que?” Tirei do meu pulso e entreguei o relógio em suas mãos. Ela observou e me fez a pergunta que eu esperava ouvir. “Mas, esse relógio está parado!” “Exatamente, toda vez que olhar para este relógio quero que saiba que as horas não importam, eu sempre estarei pensando em você”.



Carmencita

“Eu não mereço, sou uma pessoa má. Obrigada por ser gentil”. Sorri e sai correndo, mas virei-me  e ele ainda me olhava, então gritei:Também estarei sempre pensando em você.”

Na manhã seguinte, ao sair da cidade, parei para pensar e cheguei a conclusão de que garotas também sabem ser más. Ele me disse palavras lindas que eu não soube retribuir a tempo. Pensando por um lado, ele também agiu covardemente comigo. O relógio está aqui, mas meu coração permaneceu lá, da forma mais sorrateira que eu pudesse imaginar. Talvez, esse relógio me seja útil para analisar que não adianta permanecer parada, e sim seguir a diante. Mas, os ponteiros sempre voltam para o mesmo lugar, todos os dias a todo o momento. Não faz mal, com o tempo esqueço-me dessa aventura insensata. Ou não.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Dismal Fate - O Final.

Nem o tesouro mais precioso pode trazer felicidade a quem o encontra...

-Estefan?! A câmera está aí?!
-Claro, não iria me esquecer. Onde está Roney? Vamos acabar nos atrasando.
-Lá está, ela precisou imprimir sua história.
Quem diria, dez anos depois os jovens se encontraram e com o objetivo de realizar tudo o que almejavam desde quando eram adolescentes. Harry, agora tinha vinte e cinco anos, era casado, arqueólogo e professor de história, apaixonado pela profissão e pelos dois filhos Mariah e Jonah de apenas três anos. Roney beirava os vinte e quatro, estava terminando a faculdade de direito, noiva, escritora nas horas vagas e estava prestes a se mudar para a França, quando terminasse os estudos e se casasse com Herick. Estefan, vinte e cinco, solteiro e feliz, preferiu viver ao extremo viajando pelo mundo todo captando com sua câmera cenas que o mundo inteiro via. Era cineasta.
Após fitarem um ao outro com um sorriso de felicidade souberam que cada um ali havia conquistado seu objetivo e estavam prestes a realizar mais um. Juntos.
- Estão prontos?
- Nunca esperei tanto por esse momento vamos em frente.
De braços dados e bem vestidos, o trio adentrou o edifício sofisticado. Era ali, naquele lugar que decidiriam se suas aventuras seriam ou não imortalizadas.    
...


A voz da aeromoça o interrompeu de seu transe. O avião estava prestes a decolar e Harry sentiu como se estivesse indo para uma missão ultra-secreta do outro lado do Estado. Seu destino era a Califórnia, especificamente High School Valley, cujo qual passaria todo um ano letivo, ou o tempo necessário para encontrar seu objetivo. Enquanto uma loira bem vestida explicava aos passageiros como se portar em um avião, tirou de seu bolso o mapa amassado e amarelado. Da mesma forma que estava quando roubou de seu tio há anos atrás, ele continuava intacto, porém com desgastes pelo decorrer do tempo.
Nunca soube ao certo sobre o que se tratava o tal mapa, mas fora este que quase causou a morte de sua mãe e de toda sua família. Não que jamais soubera das encrencas e mancadas que todos do sobrenome Coller já cometeram, mas estava decidido a não ser um deles e manter o mínimo contato possível. Pelo o que parecia sua mãe havia mudado desde o episódio de seu sequestro. Mas, fora graças a isso que tinha em mãos o que poderia se tornar uma aventura e tanto e sua curiosidade nunca falou tão alto quanto agora.
Não era por acaso que escolheu a Califórnia para cursar o ensino médio. Segundo as instruções do mapa era lá que o tal tesouro se encontrava. Pensar que ele estava sozinho nessa não era nem um pouco confortável, mas sabia que compartilhar com alguém era inútil, seria taxado de louco. Mal sabiam que a loucura era seu esporte favorito.
Assim que pôs os pés em solo californiano sentiu um arrepio percorreu pelo seu corpo, mas respirou fundo e seguiu em frente, pois a partir dali seria ele e Deus, se é que Deus estava a seu favor.
Como previsto, a escola estava cheia de novatos e também veteranos e pais rodeando seus filhos dando-lhes conselhos de como se comportar. O dia estava bonito e ensolarado e a julgar pela brisa, mais tarde choveria. Harry sempre tivera uma sensibilidade incrível se tratando da natureza, sentia parte dela como se fosse uma criação exclusivamente sua. O que mais lhe encantava sem dúvidas era o céu, e ao contrário de muitos, preferia os dias com neblina, parecia mais um mar de vapor frio, cujo mergulharia sem nem pensar.
Ao andar distraído pela gramínea do jardim superior da escola nem percebeu que não estava prestando atenção no caminho e algo chocou-se contra si, o fazendo cair no chão. Uma garota.
Rapidamente ajudou-a a levantar e desculpou-se pela distração. No olhar dela havia ternura, mas por detrás de seu negro olhar havia certa angústia que não sabia como interpretar.
-Oi, Sou Harry, novo na escola. Desculpe-me novamente.
-Sou Roney. Eu também estava distraída apenas nos esbarramos.
-Não conheço nada da escola e a única pessoa que conheço aqui é você. Algum problema se me acompanhar até a entrada?
-Oh, problema algum, estava procurando companhia também. Acho que já encontrei um amigo.
-Sorte a minha ter alguém para conversar.
-Veja – Disse apontando para o quadro de avisos. – Somos da mesma sala.
Ele sorriu e agradeceu aos céus por não ficar isolado em meio a estudantes que pareciam se conhecer a anos.
-Mas, porque você não está com seu grupo de amigas?
-Amigas? Aqui ninguém é amigo de ninguém, apenas unidas pela futilidade e cá entre nós, odeio garotas assim.
- E o que você gosta?
-Ler, principalmente livros de aventura, bruxaria. Sinceramente? Gostei de você pelo seu nome. Harry... Sou completamente apaixonada por Harry Potter, choro todas as vezes que assisto aos filmes ou leio os livros e não me canso de lê-los. Nunca.
Aventura?! Quase gritou de espanto, mas preferiu não dizer nada. E veja, mais uma fã de Harry Potter, se daria muito bem com Roney, pensou e seu jeito tagarela jamais deixaria com que ambos de afastassem. Apesar de sua aparência um tanto frágil, dava para perceber que era o tipo de garota autêntica que adorava Rock’n Roll ao invés de ser apaixonada pelas sensações adolescentes.
-E você?
-Aventura é meu forte, meu sonho é ser arqueólogo e sair por aí buscando um passado desconhecido, pode parecer loucura, mas é assim que me imagino daqui a uns anos. Andando pelo mundo em busca de tesouros enterrados pela humanidade.
- Você irá adorar essa escola, a professora Kelly nos dará aula de arqueologia e com certeza irá adorar te conhecer.
-E você, o que pensa em fazer, quais são seus sonhos?
-Não tão aventureiros quanto os seus, antes, eu sonhava em ser jornalista e delatar histórias incríveis, agora não sei mais se é esse o futuro que espero. Mas, ainda escrevo e se você quiser posso escrever sobre você como hobby algum dia quem sabe...
-Será uma honra.
O sinal tocou, e ainda perdido Harry tinha que se dirigir para o dormitório masculino para guardar seus pertences.
-Vejo você no almoço? – Perguntou esperançosa.
-Claro, vejo você no almoço.
Caminhando em direção ao dormitório, percebeu que muitas garotas cochichavam enquanto olhavam boquiabertas para ele. Era impossível negar que nele havia uma beleza diferente, seus cachos pareciam molas, e seu sorriso era convidativo o bastante para que qualquer uma caísse a seus pés. Mas não era desse tipo de cafajeste que faz das garotas um brinquedo. Abriu a porta de seu quarto e logo tratou de cumprimentar seu novo colega de quarto, que estava de costas.
-Olá, Sou Harry!
-Prazer, sou Estefan. – Disse com a boca cheia e suja ao redor de chocolate.
Ele estendeu as mãos meladas e Harry apertou-a. O garoto era engraçado e muito simpático. Ali, repleto de chocolate parecia um bombom desembrulhado, ou, uma bolhinha de chocolate, com as bochechas fartas e os cabelos ruivo-alaranjados.
-Preciso de água, muita água! Só um instante Perry.
-É Harry!
-Oh sim, Lary. Só um minuto.
Apesar do que pareceu ser um insulto riu, o garoto tinha senso de humor afinal. Surpreendeu-se quando o viu virando um galão de água e ingerindo todo o líquido que estava um pouco menos da metade em um estalar de dedos.
-Você, é sempre assim?
-assim como? Gordo? É que agora posso comer tudo o que eu quiser. Antes mamãe escondia de mim, todo o tipo de guloseima deliciosa e me obrigava a comer... – Fez uma careta – Folhas! Argh.
-Não, eu quis dizer... Autêntico.
-Eu sei que você me acha estranho, mas não ligo gosto mesmo é de comida, não de pessoas. Mas só porque seus cabelos me lembram macarrão, vou gostar de você.
-Macarrão? – Não conteve o riso. – Nem sou loiro...
-Mas o macarrão da mamãe é assim dessa cor, queimado e não é tão ruim assim, melhor do que... Folhas! Argh.
-Toda vez que você fala de verduras ou folhas faz essa careta?
-Sim, não sou nenhum animal para comer aquilo. Eca. E ah, bem vindo meu novo colega de quarto, aceita chocolate?
-Não, obrigada. Você é hilário.
-É eu sei que sim.
Depois de bem instalado, Harry e Estefan se dirigiram para o refeitório. Em uma mesa bem distante estava Roney acenando para se sentarem a seu lado. Pobre Estefan, mal conseguia carregar sua bandeja, em seu prato havia uma montanha, mas ele não parecia se importar nem um pouco.
-Oi Roney, esse é meu colega de quarto, Estefan! Convidei-o para ficar conosco, algum problema?
-Nenhum, bem vindo Estefan, sou Roney e espero que goste da escola.
-Já estou mais que gostando!
-Então, Estefan, você precisa gostar de histórias para entrar para nosso clã. Bom, meu foco é delatá-las, o de Harry é descobri-las. E o seu?
-Vivê-las. Mas de uma forma diferente, vivê-las por detrás de uma câmera. Sim, quero ser cineasta e sair por aí filmando tudo o que vejo a fim de guardá-las para sempre.
- Uau! Formamos um trio perfeito. – Disse Harry.
O sinal tocou e todos dirigiram-se para suas respectivas salas. Por sorte, os três haviam ficado na mesma turma e sentaram próximos, quando uma loira de olhos azuis destacados pela forte maquiagem, corpo desenhado e umas partes aqui e ali “concertadas” entrou com um ar de superioridade.
-Quem é? – Harry sussurrou.
-É a diretora, seu nome é Ketlyn.
Encerrado o pequeno discurso de boas vindas ela saiu sem ao menos despedir-se da turma. Aparentava ser nova demais para o cargo, mesmo assim, o que uma mulher bonita não consegue hoje em dia?
Os olhos de Harry e Estefan ficaram confusos no momento em que a mulher entrou na sala, mas com roupas simples e nada de maquiagem. Cabelo preso em um coque e óculos. Roney riu.
- Não é a mesma pessoa, essa é a Kelly, sua irmã gêmea e professora de arqueologia. Ao mesmo tempo em que são idênticas se diferem em tantos aspectos...
-tocante sua filosofia, mas eu to tentando dormir Loney, shiu!
-Ora, que abuso, é Ro-ney! Duvido que durma em uma aula dela Estefan. Mais uma coisa, quem ele pensa que é para fazer: “shiu” Para mim? – Deu uma jogada de cabelo e fuzilou o garoto com o olhar, ele porém nem percebeu, havia tornado a abaixar a cabeça.
-Não se preocupe melhor ser chamada de Loney do que de Perry.
Ambos riram, menos Estefan que se espreguiçava sonolento.
 -Bom dia classe, meu nome é Kelly Buckmann e sou professora de arqueologia. Hoje irei falar de um assunto menos abrangente, porém importante. A região de nossa escola é bem localizada por seus diversos vales e é historicamente interessantíssima.
Harry parou de ouvir. Apesar de gostar da matéria estava absorto demais para prestar atenção. O mapa, que nunca saia de seu bolso parecia queimar, pronto para ser explorado. Ou melhor, para ser desvendado. Antes que pudesse abaixar a cabeça, ouviu algo que instintivamente fixou seu olhar na bela professora.
-Existem estudos que dizem que aqui, há um tesouro que por séculos era protegido pelos índios nativos. O museu de Washington o procura e faz escavações em nossas terras há anos, porém, nada fora encontrado até então. Pode parecer uma lenda, mas acredito que este é importante e também poderoso tanto para nossa cultura, quanto para estudos incríveis. Em nossas terras jaz um tesouro que se for encontrado, pode mudar a vida de todos ao seu redor. Talvez.
Tesouro, terras, estudos, lenda, “mudar a vida de todos ao seu redor” Será que ela estaria se referindo ao seu tesouro? Aquele cujo mapa estava bem ali, em seu bolso direito? Estava nas pistas certas, mas passou a aula inteira se perguntando que mudanças seriam essas.
Um trovão o fez pular da cadeira, o que assustou Roney.
-O que houve? Você ficou tão apreensivo na hora da aula, pensei que tivesse gostado.
-E gostei, mas estava pensando a respeito de uma informação que tive.
-Informação?
-Ainda irei explicar para você, mas agora não é o momento certo.
-Bom, agora é o momento certo para lhe dizer ao meu respeito. Primeiro, odeio esperar; não gosto que me deixem curiosa. Segundo, não me venha com historinhas infantis ou coisas sem pé na cabeça porque não tenho paciência e terceiro, mas, não menos importante: Sou confiável.
-Quarto – Indagou Harry. – você gosta de falar. Muito.
-Oh, jura?! Nem havia reparado.
Durante as aulas que se seguiram uma forte chuva atingiu a região e Harry olhava para as gotas que escorriam pelo vidro imaginando o que fazer a respeito do mapa e em como a informação que acabara de receber poderia lhe ser útil.


Duas semanas se passaram desde o primeiro dia de aula e os pesadelos de Harry tornaram-se mais constantes. A essa altura, ele, Roney e Estefan já estavam bastante amigos e andavam juntos aonde quer que fossem.
Havia chegado a hora de contar para seus fiéis companheiros o que o torturava por tanto tempo. Apesar de se conhecerem a pouco menos de um mês sentia uma confiança enorme em ambos, principalmente em Roney.
-Preciso contar algo muito importante para vocês.
-Sou muito curioso, pode contar.
-Não Estefan, aqui não, tem muitas pessoas que podem ouvir e isso é de suma importância. Roney vá até nosso quarto após o toque de recolher, creio que lá seja um lugar seguro.
-Estarei lá.

...

-Já lhe disse que é tudo o que sei Kelly. George me contou que o antigo delegado de Washington, o Tenente Shoustter há muitos anos atrás quando era jovem veio para essas terras em uma missão, e aqui ainda habitavam os últimos índios nativos. Sua missão era expulsá-los das terras para que pudessem construir ali uma base para poderem tomar suas terras, no entanto, o Sr. Shoustter defendeu os índios e impediu que sua equipe os expulsasse. Em plena gratidão, eles o deram um tesouro que ele próprio escondeu por aqui e que este estava destinado a seu legítimo herdeiro, Adrian Shoustter que morreu precocemente. Desde então ninguém mais ousou citar o tal tesouro, pois o mapa fora furtado por um tal de Coller, que morreu há uns anos. O que mais quer saber?
-Ketlyn, eu tenho suspeitas de que esse tesouro não se trata de ouro algum.
-Ora, seja lá o que for você é a arqueóloga daqui, gata – Ironizou – Trate de descobrir aonde este tal tesouro se encontra para que eu possa vendê-lo e ficar rica.
-Não é justo roubar algo que não é nosso e tenho quase certeza que você vai se decepcionar com o que seja.
-Desde que seja algo que eu possa vender, não vejo problema algum.
-sua ganância me enoja, nem parece minha irmã.
Saiu sem esperar por respostas deixando sua irmã afundada em sua cadeira confortável se sentindo uma rainha com o ego levantado nas alturas.


...


-Estamos prontos para saber, já é noite e todos se recolheram. Sou muito ansioso e curioso.
-Acalme-se Estefan, não iremos conseguir nada o pressionando.
-Tudo bem, de qualquer forma contarei para vocês já não suporto mais guardar isso comigo.
Sem dizer uma palavra, retirou de seu bolso o velho mapa. Pela aparência atônita de seus amigos com o cenho franzido logo fora se adiantando ao explicar.
-Este é um mapa de um suposto tesouro. Roubei do meu tio quando era criança e só sei que ele daria tudo para encontrá-lo se ainda tivesse vivo. Bom, ele não é meu, minha família guarda muitas histórias, mas isso ainda hei de explicar com mais clareza. No primeiro dia de aula, quando a professora Kelly se apresentou disse algo sobre aqui ter um tesouro dos índios nativos. Não sei se existe alguma ligação, mas meu instinto me diz que sim.
-Caramba, parece até roteiro de filme, só faltou a pipoca e o refri. Coisa de gente doida.
-Calado, será que você só pensa em comer?! E Harry, eu não gosto de gente doida e a propósito, você acha mesmo que isso é verdade?
-Sim Roney, veja bem, esse mapa descreve muito bem cada detalhe dos lugares próximos a este, já o analisei mais de mil vezes.
-E como exatamente nós entramos nessa bagunça?
-Quinta-feira que vem é feriado, e a tarde irei sair em busca, quero convidá-los a ir comigo, mas se estiverem com medo de serem pegos, tudo bem.
-Dane-se se formos pegos. Eu vou e pronto. Gordinho, ponha toda a comida que conseguir levar em sua mochila porque vamos em busca de um tesouro. – Roney esbravejou convicta.


...

-Kelly. Abra essa porta. Rápido!
-Me deixa em paz. Vá dormir.
-Não, eu ouvi uns garotos falando a respeito desse tesouro que você tanto quer descobrir. – Olhou para os lados e sussurrou – Eles têm um mapa.
Rapidamente, Kelly abriu a porta e empurrou a irmã para seu quarto.
-O que você ouviu?!
-Ouvi que o garoto roubou esse mapa do tio e que pode ter ligação com o que você diz, falou sobre índios e quinta de tarde ele e os amigos sairão para encontrar o local.
-Céus... Devemos castigá-los.
-Castigá-los? Claro que não! Você deve segui-los para saber o caminho e depois termos em mãos o tesouro.
-Eu jamais irei apoiar uma atitude perigosa como essa. Eles são adolescentes e é perigoso saírem por aí explorando o desconhecido.
-Eles têm o que você sempre quis, e a propósito, você estará por perto, nada de ruim acontecerá com eles.
-Ainda não consigo entender como você consegue me manipular.
-Durma bem irmãzinha, seu dia será cheio tentando não sair da cola deles.
      

...


Era manhã de sábado. Harry levantou-se disposto e ao olhar pela janela viu Roney sentada no jardim lendo As Crônicas de Nárnia. Sorriu, ela era uma garota admirável e corajosa e ao ver sua expressão ela parecia participar assiduamente da história.
-Larry, a professora quer falar com você.
-Bom dia Harry.
Mal teve tempo de se virar e responder devidamente antes que ela pudesse prosseguir.
-Posso conversar á sós com você um minuto?
-Claro professora.
Arqueou as sobrancelhas e pigarreou, olhando para Estefan.
-Ah é, desculpe professora. Já estou de saída.
Assim que a porta fechou-se atrás dos dois, Kelly apressou-se em perguntar:
-que mapa é esse que tem sobre seu poder?
-Não tenho mapa nenhum, professora.
-Tem sim, e não foi ninguém que me contou, eu mesma ouvi ontem à noite enquanto passava pelo corredor.Pode confiar em mim querido, eu quero ajudar e tenho muito conhecimento a respeito disse se esse for o mapa que estou pensando.
-Tudo bem, é este mapa aqui.
Ela olhou com os olhos marejados para o papel amarelado e sorriu. “é exatamente o que eu procurava” Sussurrou.
-Chame seus amigos, vamos conversar a respeito disso e contarei tudo o que é importante para iniciarmos nossa caçada.
Sorridente, Harry foi à procura de Roney e Estefan para contar-lhes a novidade.

...



 -Já estamos todos aqui, no local marcado. O que nos impede de sabermos tudo de uma vez professora?!
-Calma Roney, vamos encontrar o lugar onde o tesouro está depositado e depois conversaremos. Quanto ao que é, sei menos que vocês até.
Os jovens passaram toda a tarde de sábado na sala da professora e ela lhes contou basicamente o que era preciso para saber em que local deveria estar localizado e também souberam sobre os índios nativos. Kelly suspeitava de que era algo místico, já que os índios cultuavam a natureza e principalmente aqueles da região acreditavam que poderiam fazer mortos voltarem a vida. Contou-lhes que a muitos anos atrás, o cacique da tribo perdeu seu primogênito em uma batalha e então muito abalado pediu ajuda aos céus. Eis que, em uma noite de luar enquanto ele fazia rituais para que obtivesse ajuda a recuperar o filho viu algo brilhante cair do céu. Quanto o objeto atingiu a superfície terrestre ouve um estrondo e uma forte luz azul quase o cegou. Quando ele teve coragem para se aproximar viu uma pedra pequena e bonita, e colocou-a nas mãos frias de seu filho falecido. Em menos de um minuto ele retornou a vida, mas, em troca o cacique faleceu e sua alma ficou contida naquela pedra. O jovem conseguiu o controle da tribo e foi o pior cacique de todos, o que fez o pai que ainda permanecia “vivo” na pedra arrepender-se por ter dado sua vida a um filho ingrato e mau. Enquanto Kiáo, o primogênito dormia, tinha pesadelos atormentadores com seu pai e soube então que era pedra que o fazia mal. Só teria paz se conseguisse se livrar dela, e foi nessa época que um tenente corajoso arriscou sua vida para salvar aquela tribo. Como recompensa, Kiáo deu-a de presente como forma de gratidão e esta fora guardada pelo capitão ali perto para dar a seu filho como herança.
Tudo se sucedeu bem quando o tenente voltou à sua terra natal. Porém, uma forte doença atingiu Kiáo e seus membros começaram a se atrofiar um a um até que em menos de uma semana virou pó. A pedra jamais fora encontrada e arqueólogos acreditam que o cacique jurou vingança e quem obtiver a pedra será dominado por ele e morto para que ele volte à vida. A única forma seria quebrá-la acabando com a maldição que por aqui ronda há anos.
- Nossa! É muita informação para um dia só. – Disse Roney atônita e um pouco zonza.
- Meninos, pode ser somente uma lenda, nada foi comprovado até hoje.
- Que maldição seria essa professora?!
- Harry, todas as noites de lua cheia é capaz de se escutar da mata gritos e lamentações, como se alguém estivesse sendo martirizado. A alma do chefe da tribo tomou conta da floresta e quem se aventura por lá de noite, não retorna vivo.
- E então essas pessoas que morrem dão a vida a ele?!
- Aí é que está... Estima-se que dez pessoas morreram e seus corpos foram encontrados sem vida alguma, por isso, acredita-se que somente o herdeiro dessa pedra conseguiria fazê-la “funcionar”. Entretanto, o herdeiro do tenente faleceu e, somente alguém da família poderia tê-la em mãos. Seu nome é Pedra Ressuscitatti
- Minha cabeça está doendo muito, preciso beber água. Algo me diz que essa história não vai acabar bem.
- Roney, isso pode ser somente uma lenda, mas, é perigoso aventurar-se por essa floresta. Aconselho vocês a não ir.
- É importante para mim, preciso ir, mesmo que seja sozinho.
- Acho uma tolice completa, mas não perder essa diversão. Você vem conosco professora?!
- Ora, claro! Preciso proteger vocês, e checar se essa história realmente é verídica.



Na quinta feira pela tarde o quarteto entrou mata adentro. Passaram por um belo lago envolto de uma mata densa. Estefan sempre com sua câmera captando cada imagem. Harry e Kelly estavam animadíssimos, quanto a Roney...
-Aconteceu alguma coisa?!
-Não, só estou com um pressentimento ruim. Muito ruim.
-Você pode até negar, mas eu sei que você esconde uma angústia.
-Não quero falar sobre isso. Pelo menos não nesse momento Harry.
-Tudo bem.
Já estava anoitecendo e o mapa parecia levar a lugar algum. Kelly sugeriu que eles parassem por ali mesmo e acendessem uma fogueira antes que o breu total atingisse a floresta. Sentados em círculo, Kelly respirou fundo e começou a contar tudo o que restava saber sobre o tesouro.
-Como eu já disse anteriormente para vocês, aqui era uma terra de índios nativos que viviam à séculos por essa floresta. Em meados de 1960 o governo americano convocou o exército para vir á essas terras e expulsar os antigos povos que aqui habitavam. Entretanto, houve um soldado que se opôs tenazmente e impediu que matassem os indígenas.
-Desculpe-me, mas qual era o nome desse soldado?
-Tentente Shoustter e seu único filho e herdeiro era Adrian Shoustter que morreu precocemente.
-Espere! Você disse Shoustter? Era meu avô e o herdeiro meu pai! E ele foi cruelmente assassinado por uma Coller. – Disse atônita e já com lágrima nos olhos.
-Fora exatamente um Coller que roubou esse mapa há muitos anos.
Todos os olhos voltaram-se para Harry.
- Então foi a sua família quem matou meu pai para roubar sua herança?! Responda Harry?!
-Foi minha mãe quem o matou, mas não foi por isso, ela nem sabia a respeito desse tesouro e eu nem imaginava que ele era seu pai. Ela o matou porque meu tio a enganou dizendo a ela que ele havia me raptado. Juro que eu mal sabia dessa história. Só peguei-o do meu tio.
-Devolva-me agora, isso me pertence. Sua família é uma corja de ladrões e assassinos podres que devem ir para o inferno.
-Eu não sou igual a eles. – Gritou Harry.
-É sim, está aqui para possuir o que não é seu por direito.
-Se eu soubesse quem era os verdadeiros donos devolveria.
-Ela está aqui na sua frente. Me entregue o mapa.
-e você irá encontrá-lo sozinha?!
-Isso nunca foi um problema seu.
Roney saiu correndo em prantos escuridão adentro. Todos a seguiram, mas foi em vão, em poucos segundos a garota desnorteada havia desaparecido no breu.
Ela entrou em uma espécie de caverna escura, sem se importar com os morcegos que a fitavam assustadoramente. Queria somente que seu pai estivesse vivo, fora por causa da família de Harry que foi privada de receber o carinho de seu pai e ela não deixaria isso barato. Ainda correndo e arfante, seus pés se prenderam no que pareceu ser uma tábua que cedeu assim que seu peso concentrou-se sobre ela. Em poucos segundos, Roney caiu barranco a baixo perdendo a consciência.

-Roney?! – Gritava inutilmente Harry. – Volte aqui.
-Veja Harry, uma caverna, ela pode ter entrado aqui. – Disse Estefan.
-Boa garoto, agora temos que torcer para que ela não esteja em apuros.
Sua cabeça latejava, e Roney acordou e assustou-se com o que acabara de ver. Estava em um cemitério muito assustador. Mas, ali estava completamente escuro, como poderia estar enxergando alguma coisa?! Havia uma pequena luz azul iluminando todo o local. Roney foi andando em direção à luz e encontrou a fonte. A luz vinha do que parecia ser um tumulo, mas, este era pequeno demais para conter ali restos mortais de alguém. Amedrontada removeu a pedra que impedia a luz irradiar todo o seu brilho e teve que fechar os olhos.
O brilho de uma pedra azul, que mais parecia um cordão com um brilhante pingente, era tão forte que logo Kelly, Harry e Estefan localizaram Roney que continuava parada observando o que tinha em mãos.
-Céus, é a Pedra Ressuscitati! Roney, de forma alguma, não a ponha em seu pescoço, por favor. Você é a herdeira, e poderá fazer o cacique retornar a vida.
Era tarde demais. Roney, maravilhada gritou: “Isso me pertence!” E a pôs em seu pescoço.
Nesse instante, seus olhos brilharam mais do que a pedra e ela contorceu-se até cair.
-Não! – Harry gritou, e correu para socorrê-la.
Assim que chegou perto dela, levou um soco bem em cheio no estômago.
- Irei matar todos vocês! – Gritou uma voz demoníaca que saia da boca de Roney. Era o cacique, com sede de vingança.
Estefan tentou detê-la, mas levou um chute que fez sua câmera espatifar-se no chão.
-Rápido, segurem-na por trás! – Ordenou Kelly.
-Roney por favor, nós não temos nada a ver com essa história!
-Eu não sou Roney – Gritava a voz impaciente tentando livrar-se das pessoas que a seguravam. – Quero matar a todos, quero viver.
-E para isso você quer ver a morte de uma inocente?!
-Calada, sua inútil. Eu morri para salvar a um filho ingrato que fez da minha tribo um caos. Dane-se as consequências quero retornar ao poder. Adquirir tudo que é meu.
Ela conseguiu se soltar, e estendeu as mãos em direção à Kelly que fora lançada bem longe dali. Um grito sucedeu-se a enorme energia que invadiu todo o lugar, Kelly fora atingida bem em cheio e jazia ali no chão, quase sem vida.
-Não temos muito tempo! Rápido Harry. – Estefan atirou-lhe uma faca e rapidamente Harry cortou a corda que prendia a pedra ao pescoço de Roney que desmaiou.
 -Por favor, fala comigo, você não pode morrer. Perdoe-me por minha família ter causado tanta desgraça á sua família.
Uma voz rouca respondeu:
-Eu que lhe devo desculpas, você não teve culpa de nada.
Só depois que ambos se abraçaram e já estavam de pé puderam perceber que a vida de Kelly estava se esgotando.
Ele chegou tarde demais... Caída sob a terra vermelha e seca do cemitério estava Kelly, com a pedra nas mãos e a respiração fraca. Não somente ela estava perdendo a vida, a linda pedra azul estava ficando sem seu esplendoroso brilho, cujo cegaria a qualquer um com seu azul místico. Agora não passava somente de uma cor acinzentada e sem ênfase alguma.
Harry sem mais delongas abaixou-se ao lado da bela mulher cada vez menos lúcida. “A culpa é toda minha” sussurrou com lágrimas nos olhos, mas, Kelly colocou a mão trêmula em seus lábios e apenas discordou sorrindo.
Como alguém poderia aceitar a morte tão facilmente? Bom, quando sua missão é cumprida não há mais o que viver e decerto foi o que Kelly fez, concluiu sua missão e partirá em paz.
Em um ato impulsivo, Harry tirou cuidadosamente das mãos de Kelly aquilo que julgou ser motivo de desgraça para ambos, mas antes que pudesse jogá-la para longe Roney gritou:
-Não faça isso, este é o tesouro de Kelly, ela viveu para encontrá-lo e tenho certeza que morrerá feliz ao saber que tem em mãos o que ela tanto lutou para encontrar. Isso jamais me pertenceu.
Novamente, ele relutante a pôs de volta nas pequenas mãos frias. Ela ainda não estava morta, seu olhar estava longe, muito longe dali. Estava partindo lentamente e tanto Harry quanto Roney chegaram a conclusão de que naquele momento ela estava recebendo sua recompensa.
Com olhos marejados todos observavam os resquícios de vida desaparecendo junto com a linda expressão de Kelly. Antes que pudesse fechar os olhos por uma eternidade, olhou para os garotos e sorriu gentilmente:
-Obrigada por realizarem meu sonho.
Um sopro levou consigo a alma da arqueóloga corajosa que lutou para desvendar os mistérios que aquela pedra carregava e finalmente pôde descansar em paz.


...

A expressão do Sr. Whatson fora indecifrável ao terminar de ler a história e ver o pequeno vídeo caseiro feito pelos três para apresentar-lhe sua obra.
- O senhor gostou?
- Se eu gostei? Mas é claro que sim, irei publicá-lo o mais rápido possível e podem colocar as mãos na massa, o livro de vocês será um sucesso e o mais vendido de toda a temporada, podem apostar.
O trio comemorou em meio a lágrimas de felicidade. Finalmente sua história será conhecida por todo o mundo, e, Não somente estariam vivas em seus corações, mas também na memória daqueles que se permitirem aventurar-se nas páginas como eles. Afinal, histórias boas precisam ser lidas e jamais esquecidas.